Desconfiança
empresarial
São
abundantes os indícios de timidez em ampliações de capacidade
produtiva, ou seja, timidez na elevação do investimento privado no
Brasil. Contrasta, silenciosamente com a retórica barulhenta que
repete, a cada indício desfavorável, a afirmação de que "o
pior já passou" e de que estamos em rota batida para a
"retomada do dinamismo". O ministro Mantega, em 31 de
agosto, disse que "passamos a pior fase" e afirmou que
"existe uma recuperação modesta, no momento". Os
empresários, em sinal de respeito e de prudência vernacular, dizem
vagamente que, talvez, haja uma recuperação de investimento em
2013, se houver melhoria nas vendas de eletrodomésticos no último
trimestre de 2012. As empresas, em vez de apresentarem suas dúvidas,
preferem afirmar que estão na "expectativa de maturação"
das medidas do governo. O presidente da Associação Brasileira das
Indústrias Têxteis (Abit), Agnaldo Diniz, lembra que "o
espírito animal do empresário também é racional. Ele só investe
quando vê segurança no médio e longo prazos".
Hoje,
há consenso de que a crise mundial está solidamente enraizada e
com indícios de progressão. O interior da França apresenta um
cenário pior que o da Espanha. Os EUA exportam uma imensa sensação
de "não sabemos para onde vamos". A China começa a
apresentar alguns sinais de dificuldade. No Brasil, o "PIBinho"
apresentou o pior resultado desde o primeiro trimestre de 2009 e a
indústria é o sistema de retrocesso que freia a economia. Setores
como o de veículos, têxtil, eletrônicos e farmacêuticos acumulam
estoques e não conseguem exportar diante da crise, e sofrem uma
concorrência externa cada vez mais pesada.
Ao
longo da última década de mediocridade, o segmento dinâmico foi o
agropecuário e a reiteração das medidas de apoio ao consumo
privado está produzindo uma resposta descendente das famílias, que
ampliaram seu consumo apenas 0,6% no último trimestre, em
comparação com o anterior. A resposta mais cautelosa das famílias
aos incentivos ao consumo deve estar sendo reforçada pela alta nos
preços dos alimentos, pela queda brutal do preço dos automóveis
usados que, no passado, era de 10% e que hoje já supera 25% -
provavelmente, a dívida do comprador do veículo está maior que o
valor de seu carro usado, se fosse vendê-lo hoje.
Em
vez de dizerem suas dúvidas, as empresas afirmam que aguardam as
medidas do governo maturarem
Creio
que a fobia pelo investimento produtivo merece tentativas de
interpretação. Seria útil, olhando o sistema industrial
brasileiro, procurar razões comportamentais diferenciadas nas
grandes empresas, segundo a natureza de seu controle. Filiais das
grandes multinacionais fazem parte expressiva ou são dominantes em
diversos segmentos e, desde logo, é necessário dizer que estão
prontas para adquirir empresas nacionais que disponham de frações
relativas do mercado-alvo de sua atuação. Ocorre que, em muitos
setores, esse "personagem" é inexistente: não há nenhum
montador de veículos automotores nacional e raros são os
empresários brasileiros no segmento de autopeças. O Globo de 29/8
apresentou dados estarrecedores: a margem de lucro do montador de
veículos nos EUA é de 3%, no mundo como um todo é de 5% e no
Brasil é de 10%. A carga tributária brasileira é de 25,6%, na
Argentina, 21%, na França, 19,6%. O Honda Fit básico custa, no
Brasil, mais que o dobro do que custa na França: o brasileiro paga
R$ 57.480,00 e o francês paga o equivalente a R$ 27.898,00. Apesar
de mais de 50 anos de instalação, a indústria automobilística
brasileira não produziu modelos adaptados ao nosso clima e às
nossas vicissitudes logísticas. É altamente duvidosa sua
cooperação ao balanço de divisas. Na verdade, entre compra e
venda de veículos, autopeças e remessas de juros, lucros e
royalties, há déficit cambial no segmento.
Existem
filiais estrangeiras praticamente monopolistas, com mais de 100 anos
de instalação no Brasil, nos segmentos de alimentos processados,
material de limpeza e higiene e produtos farmacêuticos, entre
outros, cujos produtos fabricados no Brasil tem desempenho muito
inferior aos mesmos produtos da marca de sua filial em um país
europeu. Nosso Ministério de Ciência e Tecnologia deveria estudar
o mistério da quase nula motivação na pesquisa de novos materiais
nacionais e da sistemática baixa qualidade na análise comparativa
intra-multinacional. O Brasil - país de periferia que aceitou a
instalação em massa de filiais de toda a procedência, que operou
uma privatização perigosa associada à desnacionalização, que
agora assiste a desnacionalização em massa das cadeias de
supermercados, das editoras de livros estudantis e das universidades
privadas - em nada afeta a confiança e o papel que as diretorias
das filiais no Brasil obedecem às orientações de suas matrizes.
Esta é uma boa explicação para a desconfiança desse
poderosíssimo grupo de empresas.
Nos
poucos casos onde se consolidou um oligopólio nacional, vemos uma
réplica tupiniquim: preferem adquirir filiais no exterior do que
ampliar capacidade produtiva interna. [Nota do Blogueiro: vide o
caso do grupo Gerdau, que prefere adquirir plantas siderúrgicas no
exterior a investir no RS, que importa aços planos.]
O
surpreendente é a utilização, pelo governo, dos instrumentos de
política econômica para que empresas nacionais ampliassem e se
consolidassem no mercados interno nacional e estão sendo utilizados
pelas filiais e pelas empresas nacionais que compraram plantas no
exterior. De cerveja, passando por proteína vermelha, caminhando
para ao aço redondo, mineração e até mesmo a nossa Petrobras
comprando refinarias no exterior com a dramática tendência a uma
explosão de importações de derivados de petróleo devido à
política de atraso na instalação de refinarias. E, agora, para
aumentar a desconfiança, a poderosa estatal coloca em dúvida a
economia de petróleo, que consistia na peça principal de um
projeto de longo prazo para o Brasil.
Artigo
de Carlos
Lessa,
professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi
presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
- BNDES, no governo Lula. O artigo foi publicado hoje no jornal Valor Econômico.
4 comentários:
"É o custo Brasil, estúpido! "
Enquanto o Brasil não racionalizar essa bagunça tributária e flexibilizar normas da era Vargas continuaremos a engatinhar.
Não sou liberal, mas concordo com "Bob Fields": “Com o atraso das reformas estruturais e das privatizações, o Brasil está longe de realizar seu potencial. Poderia tornar-se um tigre e se comporta como uma anta.”
Está informado ali, límpido e claro, no texto do Lessa, que "a margem de lucro do montador de veículos nos EUA é de 3%, no mundo como um todo é de 5% e no Brasil é de 10%" e o Maia vem com a já surrada história do "custo Brasil".
Fosse esse tal custo Brasil um problema verdadeiro, e os números apresentados acima apareceriam, no mínimo, em ordem inversa à que foi exposta.
é o lucro brasil, estupido!
O "Maia" gosta de fazer papel de bobo mesmo...
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