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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O mito da (contra) Revolução de 1932 e o paulistinismo filisteu e ideológico



Hoje é dia de celebrar a bravura da “locomotiva da nação”


A (Contra) Revolução de 1932 completa 80 anos. O dia [hoje, 9 de julho], como sempre, é reservado para alimentar o processo de mitificação daqueles acontecimentos, com paradas militares, crianças agitando bandeirinhas, o vermelho, o preto e o branco das cores de São Paulo pintados nos rostos, autoridades emplumadas passando as tropas em revista, discursos de como o Estado é importante…
Afinal de contas, séculos depois, muitos de nós, paulistas, ainda nos sentimos acima do restante do país, fantasiando uma suposta autoridade moral que nunca existiu. Sabe aquela coisa ridícula que está escrita, em latim, na bandeira do município de São Paulo (non ducor duco – não sou conduzido, conduzo)? Então…
Autoridade que desaparece quando analisamos a política higienista em São Paulo, posta em prática, quase de forma articulada, pelos governos federal, estadual e municipal. Afinal de contas, as empreiteiras e os especuladores imobiliários estão aqui, doando recursos de campanhas, emprestando parentes para cargos públicos, influenciando o cumprimento e o não cumprimento de regras, dizendo quem tem direito à cidade e quem não tem.
A sanha punitiva do Estado-locomotiva (sic) da nação é grosseira, tendo – na maioria das vezes – como alvo a massa de sem-teto, sem-terra, dependentes químicos, pobres, imigrantes ilegais, enfim, os rotos que ousam ficar no meio do caminho do progresso.
Já citei aqui, anteriormente, o ensaio “O Fausto de Goethe: A Tragédia do Desenvolvimento”, de Marshall Berman. Fausto é um personagem que tem altos e baixos: encanta e fascina, surpreende e decepciona. Não é possível traçar um caráter para ele, pois ele não o possui. Assim como todo o sistema, é mutável – uma metáfora do desenvolvimento capitalista.
Fausto vendera sua alma em troca de experimentar as sensações do mundo. Mas o diabo não é o Lúcifer da cristandade, não representa o mal em si, mas sim o espírito empreendedor. A mentalidade que fomenta Fausto (“destruir para criar”) é a realidade em constante movimento (Mefistófeles perguntava a ele se Deus não havia destruído as trevas que reinavam no universo para poder criar o mundo), a mesma que norteia uma metrópole como São Paulo.
Essa destrutividade criativa pode ser encontrada no caso de Filemo e Baúcia, um casal de idosos. Ambos eram um empecilho para os planos do empreendedor Fausto e precisavam ser removidos. Quando Mefistófeles queima a casa deles, os assassinando, não quer Goethe provar a sua maldade, mas expor exatamente o contrário: joga-se a negatividade fora criando o princípio fictício que o mal (o casal idoso) pode ser estirpado da sociedade. Caem os limites morais. O desenvolvimento da modernidade não possui padrões éticos, além da ética que cria para si mesmo.
Na mesma linha, o “paulistanismo”, o nacionalismo paulista, funciona como uma espécie de seita radical para os seus adeptos. Mesmo as pessoas mais calmas viram feras, libertando uma fúria bandeirante que parecia, historicamente, reprimida dentro do peito quando se vêem diante de críticas à ideia de destruir para criar. Bandeirante, aquele pessoal que virou nome de avenida, escola, praça, escultura, Palácio de Governo, homenageados por terem dizimado gente. O fato de São Paulo tê-los escolhido como heróis diz muito sobre quem somos. E o fato de muita gente continue defendendo que seus métodos foram necessários para que o Brasil fosse “grande” diz muito sobre o que seremos.
Para parte da população paulista, a Cracolândia e o Pinheirinho (remoções forçadas ocorridas este ano) eram um mal a ser extirpado em nome do progresso.
Espero que, daqui a 80 anos, não celebrem este 2012 como o início da retomada do Estado pelos “cidadãos de bem” com paradas militares, crianças agitando bandeirinhas, o vermelho, o preto e o branco das cores de São Paulo pintados nos rostos, autoridades emplumadas passando as tropas em revista, discursos de como o Estado é importante…
Artigo do blogueiro (paulista) Leonardo Sakamoto, publicado hoje no Blog do Sakamoto.
Sobre o cartaz acima: Ainda por cima, não sabiam as regras gramaticais do português. Esta elite cafeeira se achava a vanguarda do País. Perderam a revolta de '32, foram surrados pelo governo Vargas, e como vendetta foram à Europa buscar professores para fundar uma Universidade, a USP. Menos mal. Vale ler a obra Tristes Trópicos, do Levi-Strauss, no capítulo onde repassa as impressões sobre o que encontrou em São Paulo. Ele achou muito estranha a elite paulistana. Ora, 80 anos depois, continua tudo igual, só que agora eles perambulam por aí de gravata dourada e automóveis importados de 100 mil dólares, quando não, de helicóptero. E quando os pobres os chateiam, chamam a polícia tucana e mandam descer o cassetete e o gás pimenta - pra infelizama saber com quem está lidando.    

6 comentários:

Anônimo disse...

esperar o que de quem idolatra os "heroicos" bandeirantes, uma cambada de energúmenos assassinos, genocidas, ladrões, estupradores e usurpadores de terra?
levaram uma surra do getúlio e desde 2002 vem levando uma surra do pt. merecem ser governados ad eternum pela corja tucanalha mesmo.

Anônimo disse...

9 de julho de 32: golpe da elite predadora de SP usando o povão ignorante como 'bucha de canhão'. Sou paulista, mas não tolero esses 'nacionalismos' fascistas.

armando do prado

marc disse...

Nada muito diferente do RS e sua Guerra dos Farrapos. Por que não comemoramos a Revolução de 30?
Importante é saber como começou esse culto, para que se possa tentar desconstruir essa mitologia, como sabemos que no RS foi uma reação ao centralismo da ditadura nos anos 70 que se aliou a um tradicionalismo que cultuava valores que vinham se perdendo com a urbanização/modernização. Não sejamos melhores, nem piores que os paulistas, mas reconheçamos nossas semelhanças.

Nelson disse...

Ainda quanto ao teu post "O Brasil abre mão de tantas coisas importantes só para beneficiar o automóvel particular", de 03/07, Feil.
Tenho o desprazer, tenho a insatisfação de te informar que o Governo Dilma resolveu continuar a "engordar porco gordo".
Agora, através do BNDES, está bancando um empréstimo de R$ 342 milhões para que a "pobrezinha" Volkswagen possa desenvolver novos projetos de carros, supostamente mais modernos, no Brasil.
Em troca, conforme a reportagem, a empresa alemã se compromete a ampliar projetos sociais que desenvolve por meio de sua fundação.
Que bela contrapartida. Sabemos que as fundações dessas mega empresas costumam exercer seu altruísmo, sua benemerência, com o chapéu dos outros, mais especificamente, com muita isenção de impostos.
Deprimente. dona Não foi para isso que eu votei na Dilma.
Ao mesmo tempo, a reforma agrária empacou e não sai mais do lugar.

A notícia sobre mais este presente à bilionária indústria automobilística está em
http://carros.uol.com.br/ultnot/2012/07/09/bndes-libera-r-342-milhoes-para-vw-fazer-o-fusca-do-seculo-21-no-brasil.jhtm

Anônimo disse...

Acusou o golpe com a contratação do Bola de Ouro 2010 hein?

Gurizões mesmo são o Zé Roberto (38!) e o Gilberto Silva (35). É o Gremio montando time de showball!

josé agapanto disse...

Parece que o Mario Quintana foi combater os "revolucionários" na época. Confere? hehe. Também vim para divulgar nosso blog de literatura, Repartição da Flor.
Abraços

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