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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 9 de abril de 2009

“Não podemos assistir a crise internacional pela televisão”


Stedile: “Governo Lula tem medo de debater a crise porque poderia afetar seus objetivos eleitorais”

O líder do principal movimento social brasileiro, o Movimento Sem Terra, João Pedro Stedile, concedeu esta entrevista à Agência Brasil:

Agência Brasil – Como os movimentos sociais, em especial o MST, têm encarado a questão da crise financeira mundial?
João Pedro Stedile – Hoje, há um consenso nos movimentos sociais, desde as centrais sindicais até as pastorais, de que a crise que está instalada na economia capitalista é internacional e vai pegar todo mundo, ela é profunda, não é apenas da produção. Vai abarcar aspectos sociais, ambientais, políticos e, inclusive, os paradigmas do capitalismo. Nós estamos muito preocupados porque está faltando na sociedade brasileira um processo de debate sobre a natureza da crise, para que o povo brasileiro tenha conhecimento dela, participe e construa alternativas populares para resistir. O pior dos cenários é simplesmente ficar assistindo, na televisão, à interpretação que o governo ou os capitalistas vão dar.

ABr – A interpretação atual da crise, em sua opinião, é equivocada?
Stedile – Evidentemente os capitalistas vão querer sair da crise o mais rápido possível e mais ricos. Para isso, vão pressionar o Estado, como sempre fizeram, para que o Estado transfira a eles dinheiro público. Com isso, vão aumentar a exploração sobre os trabalhadores e o desemprego. Vão diminuir as condições de vida da população. E o governo, com medo da crise, vai ficar todo o tempo dizendo: calma que o leão é manso. É preciso que a população tenha espaço para debater e, sobretudo, que os meios de comunicação que não são dos capitalistas ajudem.

ABr – Por que o senhor acha que o governo tem medo da crise?
Stedile – O governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre a crise temendo repercussões eleitorais. Só há uma forma de ampliar o debate. Se os movimentos sociais e as igrejas pegarem esse debate como peça prioritária, utilizando os meios alternativos que nós temos. O governo tem que sair do casulo. O governo parece que está com medo de sair do debate. Ele precisa se abrir e dizer que não sabe o que fazer, mas chamar para debater.

ABr – Como a agricultura brasileira vem sentindo os efeitos da crise?
Stedile – Essa crise tem atingindo mais em cheio o agronegócio, que é, no fundo, o modo de os capitalistas organizarem a produção agrícola no Brasil. Para isso, eles impuseram um modelo, que nós chamamos de agricultura industrial, totalmente dependente dos insumos, dos agrotóxicos e do mercado internacional. O mercado internacional vai diminuir, a renda dos europeus, americanos e chineses vai diminuir, portanto, vai diminuir o preço das commodities e vai diminuir o mercado. Evidentemente que, de novo, os capitalistas do agronegócio vão querer jogar sobre as costas dos trabalhadores o peso da crise. Já estão jogando. De dezembro pra cá, segundo dados do próprio governo, mais de 300 mil trabalhadores rurais assalariados perderam o emprego.

ABr – E nos assentamentos do MST, como a crise está impactando?
Stedile – Na agricultura familiar e camponesa, em que estão inseridos os assentados, como o próprio modo de produção não é capitalista, o que a gente tem debatido é que temos condições de resistir mais à perversidade da crise. Nós não dependemos de emprego, nós achamos que vai haver uma revalorização dos alimentos, ou seja, na crise o único dinheiro que os trabalhadores reservam é para comida. Pode cortar a luz, telefone, mas a comida não. Temos uma avaliação de que o povo camponês sofrerá menos os efeitos da crise.

ABr – Sofrerá?
Stedile – Sofrerá, talvez mais pela redução no ritmo das políticas públicas agrícolas. Isso é que nos preocupa. Estamos pressionando para que o governo transforme a crise em uma oportunidade. Para proteger a população, essa era a hora de aumentar a reforma agrária, de aumentar os investimentos públicos na agricultura e deixar de lado o agronegócio, deixar de lado os grandes projetos do BNDES [o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para a expansão do plantio de eucalipto, para expansão do etanol. Isso não desenvolve o país e só gera desemprego. Esse é o debate que estamos fazendo entre nós.

ABr – Como o senhor avalia as medidas tomadas pelo governo até então para conter os efeitos da crise no Brasil?
Stedile – O governo, na boa intenção, diminuiu o percentual do depósito compulsório que os bancos precisam fazer para o Banco Central. Isso representou R$ 180 bilhões que os bancos privados, que recebem o nosso depósito à vista, deixaram de recolher ao BC. A intenção do governo era que esses bancos aplicassem na indústria e na produção para reativar a economia. Mas eles recompraram títulos da dívida pública interna. Ou seja, emprestaram novamente para o governo, a 12 % de juros. Ou seja, os bancos enriqueceram ainda mais. É fácil até fazer a conta. Significa que o governo ajudou os bancos a se apropriarem de R$ 20 bilhões em uma tacada só. Além disso, muitas empresas aproveitam a notícia da crise para reorganizar o seu processo produtivo. Há empresas que estão tendo lucro, como a Vale do Rio Doce, que anunciou R$ 20 bilhões de lucro e colocou na rua 2 mil operários. É um caso de se aproveitar da crise para aumentar a exploração sobre os trabalhadores

ABr – O senhor acha que as medidas então não surtiram efeito?
Stedile – As propostas dos governo e das classes dominantes são as propostas clássicas do capitalismo. A saída que está sendo pensada é mais liberalismo, mais dependência do capital internacional. E também dá para perceber que a classe dominante brasileira não tem um projeto de desenvolvimento do Brasil, ao contrário do que aconteceu na crise de 1929, quando a burguesia brasileira estava articulada ao redor do governo Getúlio Vargas. Agora, a burguesia brasileira não tem um projeto para o país. Ela só quer ter lucro e isso é uma tragédia, para ela, inclusive.

ABr – E o que o senhor acha e o que os movimentos sociais acham que precisa ser feito?
Stedile – Reduzir juros é insuficiente. O que nós precisamos é de uma terceira alternativa, que é uma alternativa popular. Precisamos discutir com as forças organizadas da sociedade um novo projeto de país, um novo modelo econômico para o Brasil.

ABr – O que esse novo modelo incluiria?
Stedile – Algumas medidas prioritárias. A primeira seria a estatização de todo o sistema financeiro. Se não se controla a circulação do dinheiro, nunca vai reativar a produção. Segundo ponto: é necessário acabar com o superávit primário. O governo recolhe os impostos de todos nós e aí separa R$ 200 bilhões para pagar em juros. Isso tem que acabar. Tem que pegar esse dinheiro que está sobrando do orçamento e investir na produção. Mas não é em qualquer produção. Não é em automóveis. Tem que aplicar no que a população brasileira está precisando. Moradia popular, transporte de massa, trem, metrô, navio. Aplicar em escolas. Temos um déficit educacional enorme. Como é que se faz para pular dos 10% de jovens na universidade, que nós temos, para os 80% que tem a Bolívia? Construindo universidade, contratando professor, comprando livro, isso tudo é indústria. Só no investimento na educação, que é a grande tese do Cristovam Buarque, já se poderia incentivar a economia. E o dinheiro tem que vir do superávit primário, que tem que acabar. Pedi para que os economistas amigos do MST pesquisem o seguinte: estou desconfiado de que o Brasil é o único país do mundo a manter o superávit primário. Na Europa, todos os países são deficitários.

ABr – O que mais é necessário?
Stedile – Aplicar recursos e garantir emprego para todo mundo. Todo brasileiro adulto tem que ter direito a emprego. Foi o que Roosevelt fez para tirar os Estados Unidos da crise e transformar em potência mundial. Isso não é novidade. Isso tudo que estou dizendo não é radicalismo.

ABr – Como fica a defesa da reforma agrária em meio a um contexto de crise financeira?
Stedile – A reforma agrária fixa o homem no campo e desfaveliza o país. Além disso, contribui para a produção de alimentos. Os únicos que produzem alimentos são camponeses. O agronegócio produz celulose, etanol, algodão, soja, mas comida não. Quem produz leite, arroz e feijão é o camponês. Essa seria a maneira de ativarmos a produção agrícola. Mas não é voltar àquela reforma agrária antiga.

ABr – E como é a reforma agrária moderna?
Stedile – Agora, queremos outro tipo de reforma agrária. Trata-se de uma reforma agrária que combine o camponês com as agroindústrias cooperativadas. Em vez de o BNDES dar R$ 1 bilhão para a Nestlé, por exemplo, deveria dar o mesmo valor para 100 cooperativas de camponeses que vão pasteurizar o leite, fazer iogurte e vender em sua região. Não precisa mais ter Nestlé. Tem que ter cooperativa de pequenos agricultores. Agora, sem dinheiro público não tem cooperativa que funcione, assim como não tem Nestlè que funcione sem dinheiro do BNDES. Em vez de o BNDES dar R$ 1 bilhão para que a Aracruz saia do prejuízo que ela teve, ele deveria pegar esse dinheiro e emprestar para os camponeses reflorestarem as margens dos rios. Teríamos outra paisagem no país, um reequilíbrio ambiental . Não teria essa loucura do monocultivo do eucalipto que desequilibra toda nossa natureza.

ABr – O senhor falou da necessidade de um programa de construção de casas. Como o senhor avalia o programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo, que visa à construção de 1 milhão de casas populares?
Stedile – O programa de habitação é bom. Espero que o governo tenha capacidade de operação para que de fato 1 milhão de casas sejam financiadas. O meu medo é que o governo deixe isso para o mercado. O governo cria as condições, libera recursos e aí diz que o mercado vai construir 1 milhão de casas. Nunca vi construtora ganhar dinheiro fazendo casa para pobre. Será que não seria melhor voltar a estimular as cooperativas, os mutirões que, de qualquer maneira, vão comprar cimento, vidro, luz elétrica. Mas deixar para empresas construir é um perigo. Seria melhor então deixar para uma empresa estatal como o Chávez [Hugo Chávez, presidente da Venezuela] faz.

ABr – E quanto ao PAC? O governo tem enfatizado que o programa vai ajudar a enfrentar os efeitos da crise. O que o senhor acha?
Stedile – O PAC é um projeto antigo, de antes da crise e tem o objetivo de financiar hidrelétricas, portos e caminhos para que as multinacionais exportem mais barato. Mas agora, com a crise, é necessário pensar outra matriz industrial para resolver problemas do povo, não da exportação.

19 comentários:

Anônimo disse...

Esta vai para o Sr. Maia Araponguinha comentar:
"ABr – O que mais é necessário?
Stedile – Aplicar recursos e garantir emprego para todo mundo. Todo brasileiro adulto tem que ter direito a emprego. Foi o que Roosevelt fez para tirar os Estados Unidos da crise e transformar em potência mundial. Isso não é novidade. Isso tudo que estou dizendo não é radicalismo."

jorge disse...

Anônimo imbecil, não provoca o tal Maia.

Se é que não é o próprio, fazendo cortina de fumaça para dar a idéia de que é conclamado pelas "massas" a esclarecer sobre o debate.

Anônimo disse...

E eu que sempre tive (ainda tenho) reservas com relação ao Stédile, por discordar de muitas coisas que ele prega, nessa entrevista só discordei da idéia de estatizar os bancos (que na minha opinião seria um caos, um estrago maior do que tê-los como estão agora). De resto, perfeito. Na mosca.

Rita

Juarez Prieb disse...

Rita, estrago maior que os juros mais altos do mundo?

Impossível, minha querida.

Juarez Prieb disse...

Aproveitem internautas, vocês jamais lerão uma entrevista com esse conteúdo de verdade e agudeza política na midiazona oligárquica.

Aproveitem, seus privilegiados!

Noiram disse...

Utopicamente, este é meu candidato a presidente.

Anônimo disse...

Excelente entrevista, mostrando opinião alternativa a todo este blá-blá da grande mídia. Considero interessante acrescentar que devemos lutar pela desconcentração do poder econômico em ritmo acelerado que ocorre por aqui (vide a união Itaú-Unibanco), e apoiar cada vez mais a luta dos Movimentos Sociais Organizados, parabéns Stedile! Um abraço do conterrâneo de Carazinho-RS.

Anônimo disse...

Quando ele diz "não dependemos de emprego", quer dizer que os assentamentos que ocupam 10% do território brasileiro vivem de bolsa família e não precisam trabalhar?
Podem descer o sarrafo nesta afirmação, mas no mínimo 50% dos assentados pensam assim. Trabaiar pra que, se o BF sustenta...

ZéMané

Anônimo disse...

Gente, o Maia tem um anjinho da guarda aqui no blog!... Que meeeigo!!!

Anônimo disse...

O nome já diz tudo: "ZéMané"...

Anônimo disse...

O Zé Mané escrevu e foi pegar o cachorro quente dele.

Nz zeagá de hoje "A desistência do homem que enfrentava o MST", o heroi do latifundio. O articulador dos fascistas e sionistas no MP, que tentou, no uso da instituição, colocar a suas posições ´políticas radicais guela abaixo da sociedade riograndense. Os fazendeiros estão sentindo "a falta" diz a abelhinda.
Não é só este promotorzinho que a sociedade brasileira e mundial rejeitou foi a "idologia" que eles representam e defendem".

E para desmerecer a vitória dos democratas, que entre outras coisas defenderam o direito ao conhecimento de centenas de crianças: Como o MST tramou a reação?

Só a zeagá para estes arroubos!

Quem tramou foi o governo da Yeda mancomunado com o setor subserviente do MP e ligado ao latifundio.

Claudio Dode

Anônimo disse...

Vamos cassar a lambisgoia.

Clairton disse...

Noiram, estou contigo e não abro: Stédile para presidente.
O problema seria sustentá-lo no poder, os movimentos sociais deveriam estar mobilizados e organizados ao extremo.
Caso contrário ele não duraria um mês no poder, neste país nazi-fascista dominado pelos sionistas do PIG.

Noiram disse...

Sim, com ele no governo muito podre viria à tona, já que as instituições teriam que atuar conforme a cartilha.
Correria risco de vida indubitável e frequentemente.

Anônimo disse...

cêis falaro, falaro, mas ninguém constestô minhas idéia di que o Istédil disse que não percisa trabaiá. Sinar di que concordiam que os assentado num trabaiam e só vévem de borsa familha e mais us dinhero que o mda e o incra dão pras ongui que dão pro mst, qui paga as viagi i intrevista do Istédil. Mas daí ven os inteligenti dus universitariu me chamar de mané. E o tar de Dode (será que não é Dedo e o sinhor trocô as letra?) falando dus cachoro quenti. Mas num fica brabu não. Óia, moço aqui nóis come linguiça mesmo e produtu da agricurtura familiar orgânica popular i solidária. As monsanto num tem veiz aqui. Essi nigócio de cachorro quente é coisa da capitar e dos protesto lá dos tucano e os pepezista e os otros mocorongo. E afinarmenti, meu nome é com êmi maiúscolo e num tenhu nenhum amigo nem parenti chamado Maia. Algum de vocêis, que tem muita tese e sabidoria pra guvernar o Brasiu junto co Istédil, e que pareci que vão revolucioná o mundo sentadu numa computadora iscrevendu bloguis e essas idéia meio demodé, num vai dizê nada dos 10% do território do brasiu ser di assentamentus???? Ou vãu falar que percisa mais reforma agrária e dirrotar o malvado agronigócio dos porco transgênicu capitalista i transnacional que tão distruindo o mundo?? Si for de ansim, podim comprar mais foice e buné vermelio e alugá mais onibus pras invasão. Apruveitim e peçam mais uma graninha pro MDA pra pagá us socióligu i bióligo pra istudá um geitu di pará com a lambisgóia i tudos essis fiadaputas que tão sugano o dinhero do povaréu. Se sobrá uma bufunfinha, podim comprar umas avaianas nova pra não resbalarem na malandragi. ZéMané

Anônimo disse...

Que figura ridícula esse Stédile!

Anônimo disse...

Realmente: o Stédile não parece muito fotogênico... rs

Anônimo disse...

E o tal de ZéMané não é mesmo inspirado, brincando de Chico Bento?

Cel disse...

Stédile, assim como o Lulla, vai ser um ídolo das esquerdas.
Nunca trabalhou. Sempre viveu das tetas dos sindicatos ou ONGs.
Fala como se soubesse resolver todos os problemas do mundo.
É um potencial candidato à presidêcia da república!

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