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quinta-feira, 24 de abril de 2008


Na fronteira da legalidade

Num ato de massa, diante de 3.500 convidados, entre os quais os cavalheiros da fotografia acima, e grande parte do mundo tucano de Brasília, assumiu ontem o novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Ferreira Mendes. Ele ocupou uma cadeira no STF em 2002, nomeado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), presente na seleta platéia.

Ontem, Mendes agradeceu publicamente seu padrinho tucano, pela indicação, e aproveitou para cobrar “firmeza” das autoridades em virtude de agressões à comunidade em geral, numa referência à ação de movimentos sociais que, de acordo com ele, atuam, "às vezes, na fronteira da legalidade".

A propósito do ministro Gilmar Mendes, vejam o que diz dele o respeitado antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em entrevista que recomendamos ontem aqui (e cujo link para leitura está aí logo abaixo):

“Sabe quantos são os arrozeiros que exploram terras da reserva [em Roraima]? Seis. Não há dúvida de que o que se quer são poucos brancos, com muita terra. Outra inverdade: as terras da reserva são dos índios. Não são. Eles não têm a propriedade, mas o usufruto. Porque as terras são da União. E a União tem o dever constitucional de zelar por elas. Já os arrozeiros querem a propriedade. As notícias que temos são as de que, desde a homologação, produtores rurais que estão fora da lei já atacaram quatro comunidades indígenas, incendiaram 34 casas, arrebentaram postos de saúde, espancaram e balearam índios. Paulo César Quartiero, o arrozeiro-mor, foi preso na semana passada por desacato à autoridade. Já está solto, mas, enfim, esse é o clima de hostilidade que reina por lá.” [...]

A declaração do ministro Gilmar Mendes a esse respeito é espantosa. Ele defende a demarcação de ilhas, e não de terras extensas. Em primeiro lugar, não sabia que ministro do Supremo é demarcador de terras. Demarcar é ato administrativo, cabe ao governo, não ao Judiciário. Em segundo lugar, as terras indígenas já são um arquipélago no Brasil. Acho curiosa essa expressão: demarcar em ilhas. Significa ilhar, isolar, separar. Demarcar de modo que um mesmo povo fique separado de si mesmo.”

Será que a menção aos que estão “na fronteira da legalidade” tem a ver com os barbarismos cometidos por arrozeiros fora-da-lei contra os indígenas de Roraima?


12 comentários:

Fabrício Nunes disse...

Nada de novidade no Gilmar Mendes. A composição do STF sempre priorizou perfis como o dele, juristas comprometidos com o "establishment".
O traço negativo reside nas escolhas que Lula fez para a corte. Nomeou cinco "gilmares".
Aqui no RS, por exemplo, tem o des. Amilton Bueno de Carvalho, que - fossem as escolhas obedecer a falecida linha política do presidente - seria uma figura distinta de tudo que se viu até hoje no Supremo. Talvez por isso mesmo não sirva.
Uma pena...

Carlos Eduardo da Maia disse...

Gilmar é doutor pela faculdade de direito de Münster, Alemanha e grande conhecedor do direito constitucional alemão que influenciou o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. É hoje um dos bons nomes do STF. Achei excelente o discurso dele, inclusive sobre esse problema de Roraima e também em relação ao MST e ao excesso de medida provisória.´Vida longa ao Gilmar.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Fabrício, tanto FHC como Lula escolheram ministros afinados com os direitos do Estado, sobretudo da União. São os chamados juízes pró-fisco.

Anônimo disse...

Amilton Bueno de Carvalho é dose pra MAMUTE.

Anônimo disse...

Pefil técnico-burocrático. Por isso mesmo, certos juízes do sul não servem, pois balançariam um pouco o status quo. Outro nome que faria bem a essa "corte" seria o de Lênio Streck.

armando

Anônimo disse...

O Gilmar Mendes como bom reacionário, vai sempre acusar os movimentos sociais e condfená-los como faria o seu padrinho (que no caso vale mais que o diploma dele) FHC procurar criminalizá-lo.
Agora os terroristas do agronegócio, muito embora invadam terras públicas com o intuito de roubá-las serão sempre absolvidos e se possível santificá-los.

Claudio Dode

Fabrício Nunes disse...

Isso, Maia... pró-fisco, banco, agronegócio, elite..., coisas caras ao que tú chamas de direito do Estado - burguês, claro!
Falei no Amilton, mas o Lênio também possui perfil semelhante. Sem, contudo, a iconoclastis pela esquerda do desembargador gaúcho.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Não conheço o Amilton Bueno de Carvalho que atua em Câmara Criminal. Vejo, contudo, que ele afasta a tipicidade da conduta quando ocorre furto de pequeno valor, de acordo com o princípio da insignificância. Complicado isso...

Fabrício Nunes disse...

Maia, esta é uma técnica de direito penal que acolhe a idéia segundo a qual ele é a chamada "última ratio", isto é, só incidível em casos realmente necessários.
Amilton faz analogia "in bonam parte" com a legislação fiscal que, em artigo específico, coloca R$ 1.000,00 como marco delimitador. Abaixo disso, não há possibilidade do MP oferecer a denúncia.

Anônimo disse...

Cortaram o Tarsinho na foto. Ví em outro blog. Nosso ministrinho estava cabisbaixo e babanbo.

Anônimo disse...

Que beleza, Fabrício. Quando a vítima é um trabalhador que ganha salário mínimo, o que acontece?

Fabrício Nunes disse...

Neste caso, meu caro "anônimo", a penalização, por certo, não irá reparar o prejuízo - ou irá?
De qualquer modo, a incidência dos tipos penais não pode ser seletiva. O fato da vírima ser pobre não opera como circunstância que derrogue a condição do direito penal como última "ratio".
Certo?

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