Por que não festejo e me faz mal o Natal
Não festejo e me faz mal o natal por diversas razões, algumas fracas, outras mais fortes. Primeiro, sou ateu praticante e, sobretudo, adulto. Portanto, não participo da solução fácil e infantil de responsabilizar entidade superior, o tal de "pai eterno", pelos desastres espirituais e materiais de cuja produção e, sobretudo, necessária reparação, nós mesmos, humanos, somos responsáveis.
Sobretudo como historiador, não vejo como celebrar o natalício de personagem sobre o qual quase não temos informação positiva e não sabemos nada sobre a data, local e condições de nascimento. Personagem que, confesso, não me é simpático, mesmo na narrativa mítico-religiosa, pois amarelou na hora de liderar seu povo, mandando-o pagar o exigido pelo invasor romano: "Dai a deus o que é de deus, dai a César, o que é de César"!
O natal me faz mal por constituir promoção mercadológica escandalosa que invade crescentemente o mundo exigindo que, sob a pena da imediata sanção moral e afetiva, a população, seja qual for o credo, caso o tenha, presenteie familiares, amigos, superiores e subalternos, para o gáudio do comércio e tristeza de suas finanças, numa redução miserável do valor do sentimento ao custo do presente.
Não festejo e me desgosta o natal por ser momento de ritual mecânico de hipócrita fraternidade que, em vez de fortalecer a solidariedade agonizante em cada um de nós, reforça a pretensão da redenção e do poder do indivíduo, maldição mitológica do liberalismo, simbolizada na excelência do aniversariante, exclusivo e único demiurgo dos males sociais e espirituais da humanidade.
Desgosta-me o caráter anti-social e exclusivista de celebração que reúne egoísta apenas os membros da família restrita, mesmo os que não se frequentaram e se suportaram durante o ano vencido, e não o farão, no ano vindouro. Festa que acolhe somente os estrangeiros incorporados por vínculos matrimoniais ao grupo familiar excelente, expulsos da cerimônia apenas ousam romper aqueles liames.
Horroriza-me o sentimento de falsa e melosa fraternidade geral, com que a grande mídia nos intoxica com impudícia crescente, ano após ano, quando a celebração aproxima-se, no contexto da contraditória santificação social do egoísmo e do individualismo, ao igual dos armistícios natalinos das grandes guerras que reforçavam, e ainda reforçam - vide o peru de Bush, no Iraque - o consenso sobre a bondade dos valores que justificavam o massacre de cada dia, interrompendo-o por uma noite apenas.
Não festejo o natal porque, desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados.
Por tudo isso, celebro, sim, o Primeiro do Ano, festa plebéia, aberta a todos, sem discursos melosos, celebrada na praça e na rua, no virar da noite, ao pipocar dos fogos lançados contra os céus. Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança.
Artigo do professor e historiador Mário Maestri, publicado originalmente no portal La Insignia, em dezembro de 2006.
10 comentários:
Mário Maestri consegue colocar em palavras o que a nossa falta de coragem não consegue. Gosto do Natal, por que, geralmente, os meus afetos estão por perto. Um abraço
nao sou fã de natal, mas quanta amargura o texto...
como na escala do universo nosso próprio planeta é invisivel, como pode um mero mortal julgar nao existir uma força superior?
quanto a baboseira de papai noel, bem são invenções humanas...
Parece um texto de um punk de 15 anos. Parabéns.
Texto quase definitiva. Realmente, festa gananciosa, individualista e no estilo burguês do eu tenho e posso. E cada vez mais uma festa consumista por excelência.Viva a festa pagã do 1º dia do ano.
armando do prado
Na verdade, essas datas são meras referências para justificar mais consumo, porém, considero o texto do Mário Maestri um verdadeiro show depressivo e amargurado.
O que há de mal em reunir a família, dar uma nova chance àqueles que não se aturam muito, proporcionar reflexões e distribuir presentes com alegria.
Quanto a não acreditar em um ser superior, ... bem, tenho pena daqueles que só acreditam no que vêem.
Eu também prefiro muito mais os momentos da partida de um ano e da chegada de um outro. São bem mais descontraídos e prazeirosos. Apesar disso, creio que não devamos descartar por completo o Natal. O que precisamos fazer é abstrair todo esse mercantilismo abjeto que se criou em torno da data e usufruir dos momentos de convivência que o feriado nos proporciona. Isso é, no final, o que importa.
O ano novo não está imune a palavras melosas, muito menos a familiares e parentes sem noção. :-)
Claudia
salve, cristovão,
concordo com a suely, nossa falta de coragem incentiva a baboseira mercantilista do natal. o texto do mario maestri expõe a hipocrisia da festa que manipula nossas famílias.
prefiro também a laicidade dapassagem do ano e do carnaval de rua como símbolos de fraternidade humana.
axé!
carlos-fort-ce
de papai noel gosto das renas. as missas do galo são as mais chatas possíveis, o sermão do papa, bem sermão de papa é ainda mais chato que missa do galo. Os galos deveriam protestar com esse nome.Já os vendedores de porcarias diversas, incluidos eletrodomésticos, automóveis e que tais, assim como os marketeiros gostam muito de natal, os industriais também, donos das companhias de transporte de gado humano, por terra, mar e ar, adoram!...o que já é um indicador do bom gosto...eu fico do lado dos perus e dos galos que não gostam dessas baboseiras.
Tive a infelicidade de ser aluno de Mário Maestri na UPF, em Passo Fundo. Já conhecia o texto acima e, quanto ao seu autor, só me surpreenderei quando emitir opinião positiva sobre algo ou alguém. Não me assusta o fato de ele esculachar o Natal, pois este "grande comunista" celebra o ano inteiro, consumindo bons vinhos e andando de carro importado. Afora isso, sustenta-se entre Porto Alegre e Passo Fundo, produzindo verdadeiras "obras primas" divididas entre opiniões e artigos em jornais, nos quais mostra entender de unha encravada à engenharia espacial.Para isto, serve-se de uma plêiade de estafetas (queimadores de bandeiras, profissionais do movimento estudantil), alguns demorando doze anos para se formarem, enquanto "adoram o mestre". Na graduação, obriga seus alunos a comprarem os seus livros de História do RS, pois comprar de outros autores seria incentivar o consumismo desenfreado que amaldiçoa o homem (!). Quem o conhece, sabe do que falo e é bem por isso, que não me surpreendi ou me choquei com o texto. Não se pode criticar alguém por fazer exatamente aquilo que esperamos que ele faça. Parabéns, professor, pela sua habitual coerência!
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