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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Um silêncio vergonhoso


O Brasil no banco dos réus

"Por que vês tu o argueiro no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu olho? (...) Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás como hás de tirar o argueiro do olho de teu irmão". Estas frases do Evangelho de Mateus caem como uma luva para as discussões recentes a respeito da posição brasileira sobre direitos humanos.

Durante todo o ano de 2010 ouvimos a indignação de vários setores da sociedade e da imprensa contra posições ambíguas do Brasil sobre problemas de direitos humanos no Irã, em Cuba, entre outros.

Com razão, eles lembravam que o Brasil é hoje um país de ambições geopolíticas internacionais, que exigem que ele seja capaz não apenas de reconhecer, mas de pautar suas ações a partir de princípios presentes no direito internacional resultantes de lutas seculares pela universalização da liberdade.

Igualdade entre homens e mulheres, liberdade de opinião e divergência são pontos importantes na pauta do longo processo de racionalização de formas de vida.

No entanto, boa parte destes setores dão a impressão de que direitos humanos é algo que cobramos apenas dos inimigos e desafetos. Pois a voz firme contra as ambiguidades brasileiras deu lugar ao silêncio vergonhoso diante de um fato que demonstra nossa posição aberrante perante do direito internacional. Na semana passada, a Corte Interamericana de Justiça condenou o Brasil pelas mortes de membros da luta armada contra a ditadura militar que desapareceram no Araguaia.

Como se não bastasse o fato das Forças Armadas brasileiras continuarem a perpetrar o crime hediondo de ocultação de cadáveres (o que, por si só, já mereceria punição), a Corte declarou que os dispositivos da Lei da Anistia que "impedem a investigação e sanção de graves violações dos direitos humanos" são incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Neste sentido, a decisão da Corte apenas demonstra que, ao votar a questão sobre a interpretação da Lei da Anistia apelando a um acordo nacional que nunca ocorreu (a lei foi aprovada somente com votos do partido do governo, a antiga Arena), o STF colocou o Brasil na ilegalidade perante o direito internacional. Certamente, outras condenações internacionais virão.

Àqueles que procuram reeditar a "teoria dos dois demônios" e dizer que a luta armada era tão nefasta quanto a ditadura, vale a pena lembrar que mesmo a tradição liberal reconhece que toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal. Contra os que, por sua vez, preferem o simples esquecimento, vale a pena lembrar que nunca haverá perdão enquanto não houver reconhecimento do crime.

Nunca haverá perdão enquanto a trave ainda estiver nos nossos olhos.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.

Um comentário:

zé bronquinha disse...

Imagino que petistas não carreiristas estão postos pensar as razões da dispensa de Vanuchi nos direitos humanos e a manutenção de Jobim na Defesa. Para mim é o enterro da possível dignidade que esse governo pudesse ter para fazer mais pelos hu8milhados e ofendidos peloimperio associado a podre burguesia brasileira, aos quais Jobim serve tão bem.

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