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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"Isto é como um campo de prisioneiros"



Reconhecer a Palestina

Em agosto de 2008, militantes judeus sul-africanos engajados na luta antiapartheid foram à Cisjordânia. Andrew Feinstein, antigo parlamentar judeu do Congresso Nacional Africano, sintetizou o que todos pensavam: "Isto é como o apartheid".

Dois anos depois, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, um conservador insuspeito de abraçar causas terceiro-mundistas, declarou, a respeito dos bloqueios de Gaza: "Isto é como um campo de prisioneiros".

Foi tendo em vista o caráter intolerável desse tipo de situação que a diplomacia brasileira, em um ato louvável, reconheceu o Estado Palestino nas fronteiras definidas pela ONU.

Críticos afirmaram que tal decisão em nada ajuda o processo de paz e poderia mostrar engajamento do Brasil em um dos lados do conflito. As duas afirmações são equivocadas.

Primeiro, o processo de paz nunca esteve tão bloqueado como agora. Mesmo aliados tradicionais do governo de Israel, como os EUA, demonstraram várias vezes sua exasperação contra Netanyahu e sua incapacidade de sequer congelar, de maneira efetiva, novos assentamentos na Cisjordânia e construções nos bairros árabes de Jerusalém.

Nada estranho para o líder de um partido (Likud) cuja carta não reconhece um Estado Palestino a oeste do rio Jordão. Nada estranho para um governo cujo ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, tem por objetivo simplesmente criar um Estado etnicamente homogêneo. Algo impensável no interior da noção moderna de Estado.

Nesse sentido, ações como a brasileira servem para demonstrar que a comunidade internacional está cada vez menos disposta a admitir a aberração e a afronta ao direito internacional a que os palestinos estão submetidos cotidianamente. Ela demonstra aos palestinos que a comunidade internacional não é indiferente à sua sorte.

Por outro lado, a posição brasileira não é partidária porque ela é legalista. Há uma lei internacional sustentada pela ONU, o mesmo órgão que criou o Estado de Israel, e ela é clara a respeito do direito dos palestinos a um território e a respeito de suas fronteiras.

Diga-se, de passagem, que a última proposta posta na mesa por Israel (no governo Tzipi Livin) equivalia à construção de um bantustão medonho, e não de um Estado com condições mínimas de autonomia.

Ou seja, ela não era fruto de uma negociação, mas uma proposta de capitulação.

É inegável que os israelenses têm direito a um Estado livre do terrorismo islâmico e reconhecido pelo mundo árabe, mas isso não será conseguido institucionalizando a humilhação contra os palestinos.

Melhor seria dar provas efetivas de que a via da negociação pode produzir uma solução global e digna.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.


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O reconhecimento da diplomacia brasileira é somente sobre os territórios palestinos até 1967, o que, como se pode ver no mapa acima, não é muito, face a situação territorial de 1946.

Assim, a posição brasileira, depois seguida pela Argentina, é ainda conservadora, comedida e "legalista" (como diz Safatle), conforme critérios da ONU.

2 comentários:

Cé S. disse...

Mapinha eloquente. Vou reproduzir no aNImOt.

cosmonauta disse...

Israel teve a seu alcance muitos pretextos que o fizeram expandir-se além de um país que não esteja cumprindo o seu próprio projeto de terrorismo estatal - o que não se esperava de pessoas que foram elas próprias tão perseguidas.

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