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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Quando o Rio Grande do Sul era modelo para o país
Ou os corvos do Piratini, hoje
Na quinta-feira passada, na hora da tormenta destruidora, me refugiei num porão. Explico: no subsolo da Fundação de Economia e Estatística (FEE) funciona o auditório da mesma. Fui assistir às palestras de dois estudiosos do Rio Grande do Sul: os economistas Pedro Cezar Dutra Fonseca e Luiz Roberto Pecoits Targa.
Não perdi o meu tempo. O tema da conversa foi "República, Revolução Burguesa e Desenvolvimentismo: o Rio Grande do Sul e o Brasil antes e depois de 1930".
Os dois autores sustentam - no que eu concordo inteiramente - que no Rio Grande do Sul estava a vanguarda do processo de modernização do Brasil a partir de 1930. A revolução burguesa ocorreu no RS, em termos clássicos, e serviu de "laboratório" para que depois Getúlio Vargas propiciasse as condições objetivas e subjetivas para a modernização brasileira. O castilhismo-borgismo, tripulando o ideário comtista-positivista, promove a revolução no Sul, varrendo do poder os interesses pequenos e atrasados do regime agropastorial de exportação, configurado no modelo de exploração do latifúndio da Campanha sul-rio-grandense, subordinado ao circuito de mercado internacional sem nenhum dinamismo e - pior - decadente. Implantam um regime republicano, autoritário e de intenso fomento à diversificação da base produtiva, bem como a estratificação das classes sociais. Gravam de impostos o latifúndio, estimulam a pequena propriedade, a indústria, o comércio de mercadorias, seja através da encampação das ferrovias (em mãos de belgas e norte-americanos), a criação do porto de Rio Grande, a criação do Banrisul (levado a efeito por Vargas em 1928), o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores, especialmente depois das greves de 1917, quando Borges negocia com os grevistas e admite as suas reivindicações.
A experiência sulina inspira Vargas a partir de 1930. O país se institucionaliza, reconhece direitos civis e trabalhistas, se industrializa e cresce muito. Da década de 1930 até a década de 1980, num longo ciclo virtuoso de desenvolvimentismo, o Brasil é o país que mais cresce no mundo. Os dados comprovam. A política delfiniana, influentes fatores internacionais e o início da financeirização da vida social - nas décadas de 80 e 90 - interrompem a corrida produtivista brasileira. A partir do segundo governo Lula, esse ciclo volta - lentamente - a ser retomado, mas ainda não se poderia afirmar - dizem os palestrantes - de forma segura, que estamos experimentando um novo desenvolvimentismo no Brasil.
Já o Rio Grande do Sul - eles não disseram, digo-o eu - nunca mais teve uma elite política capaz de criar condições históricas para modificar o curso dos acontecimentos e colocar a região no ciclo virtuoso do desenvolvimento sustentável, sem autoritarismo, democrático, participativo e que possa servir - novamente - de modelo para o país.
Com o yedismo de fracassos, parece que milhares de corvos edgar-alan-poetas nos espreitam do alto do Piratini e num coro sombrio, compassado e cavo repetem à náusea:
- Nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!
P.S: O debate político-eleitoral de 2010 no RS - se houver debate político ano que vem - deve, a meu modesto juízo, incorporar essa questão, a saber: o que houve com o estado nestes últimos governos que não consegue mais ser modelo para nada, a não ser para a vergonha e o opróbrio de seus governantes e líderes regionais?
P.S. do P.S: o pensamento acadêmico brasileiro - hegemonizado pelos intelecas da USP - nunca admitiram essas verdades proferidas por Fonseca/Targa. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso - só para ilustrar com exemplo singular - estudou o escravagismo no RS, objeto de sua tese, e jamais se deu conta de que aqui houve o desdobramento de um processo de revolução burguesa. Salvo Alfredo Bosi (in "Dialética da Colonização") se ignora autor fora do RS que tenha reconhecido valor revolucionário no castilhismo-borgismo sul-rio-grandense.
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12 comentários:
Lembro do próprio Pedro Fonseca dizendo nas aulas que o único crescimento econômico que tira um país da pobreza de fato é o de 10% ao ano durante 10 anos, no minimo. O mais perto que chegamos disso foram os 7% durante a ditadura, durante alguns poucos anos.
o único objetivo dessa gente que tomou o estado de assalto é se locupletar, rapinar e roubar o que puder, como boa quadrilha que é. E os maiores expoentes disso são esse desgoverno que dá medalhas para nulidades, falcatruas e enganadores e essa imunda atual legislatura da al, cuja maioria é formada por escroques e capitaneada pelo partido da propina e pelo moleque de recados da cara safada e debochada.
Que fitas são essas, que vozes soturnas, vem espantar meu sono em meus pufss a horas tais?
Sumam procuradores, vão se bicar com seus censores, vão se haver com seu conselho, aves de má sorte e deixem meus umbrais.
Invoco já meus protetores, jornalistas, deputados e procuradores, recebam minhas honrarias e se postem em meus humbrais.
hoje o rs é modelo de gatunagem e formação de quadrilhas pra roubar os cofres públicos
Aguardamos ansiosamente uma publicacao sobre esse excitante tema!
E o governo Brizola (1958-1961)?
Escolas...Refinaria Alberto Pasqualini... Aços Finos Piratini... estradas da produção...início da reforma agrária...
Acho que esse "nunca mais teve" não cabe. Que depois começou a terra arrasada com uma elite política vergonhosa, é verdade. Basta dizer que tivemos mediocridades (bondade minha) como Triches, Perachi Barcelos e Jair Soares... e o que veio depois não saiu mais do rasteiro.
Flics
portais ?
Flics, o Brizola é filho dileto do castilhismo.
Abç.
CF
Caro Cristovão, poderia dizer que ocorreu uma coincidencia, casualmente ontem um primo meu, minha centenaria avó e eu conversávamos e surgiiu o papo sobre o FHC, diga-se de passagem ele é empresário e bastante conservador, meu primo disse que o FHC (que ele acha uma besta) tinha defendido tese sobre a escravatura aqui no RGS, dizendo justamente que os escravos aqui não eram bem tratados como lá no centro do país e no nordeste, ejustificava que aqui o escravo não era posto em grilhões e tinha sempre um teto para protegê-lo, e lhe repliquei, bueno não fugia, por que os escravos fugitivos tinham o lado do pé cortado sequindo a linha da arcada do pé, todo vez que tentava caminhar a ferida abria, tentando terminar o papo disse-lhe isto que faziam e mais a própria escravatura é crime contra humanidade, era e é hediondo e perverso e que continua existindo nos nossos dias e deveria ser punido com penas muito severas.. Abraços. p.s. perguntas : porque produtores rurais são aceitos como funcionários na secretaria de agricultura ? isso não geraria uma incompatibilidade de funções ? Abraços again do Marcelo J.
Não seria melhor dizer 'os gatos do Piratini'?
Feil,
Acho muito interessante o teu ponto de vista, mas sempre penso como incorporar a questão da dependência (falo da teoria marxista da dependência, imperialismo, e não da versão weberiana do FHC) na lógica de uma revolução burguesa. Como tratar uma revolução burguesa em um estado, pertencente a um país, já incorporado ao capitalismo mundializado. Como diria JMCMN o capitalismo nasce mundializada. Seria possível só incorporar questões políticas e ainda mais isoladas, como grupo hegemônico no poder (oligarquia rural escravista x Burguesia urbana) no poder? Tivemos uma revolução burguesa ou apenas uma inserção diferenciada no capitalismo mundial, que para su\ reprodução depende de sua relação centro x periférica. Como diriam os teóricos da TMD, o desenvolvimento da periferia é o subdesenvolvimento. Resumindo, é possível gerar uma dinâmica capitalista exclusivamente nacional? Se não, como trabalhar essa questão? São duvidas, nada mais, até pq estou longe de ser especialista no assunto.
Continuando com as perguntas: Eram os oligarcas representantes de um modo de rpodução pré-capitalista, ou, estavam inseridos no capitalismo mundializado e portanto representavam tal, contando com elementos pré-capitalistas em sua estrutura? Essa questão para mim é fundamental para definir se estamos tratando de uma rev. burguesa ou de uma disputa intraclasse.
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