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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Escândalos invisíveis
Ficam escandalizados com a destruição de dois hectares de laranjal, mas e o passivo histórico do latifúndio?
A destruição de dois hectares de um laranjal, plantado em extensa área pública da União ocupada ilegalmente por uma grande empresa privada, orquestrada pela mídia e pelos interesses do agronegócio, escandaliza.
Enquanto isso, milhares de famílias estão acampadas em beira de estradas, trabalhadores são escravizados em pleno século 21 e trabalhadores rurais, líderes sindicais, religiosos e advogados são assassinados no Brasil.
Mas isso não escandaliza.
Milhares de processos estão travados na justiça emperrando as desapropriações para fins de reforma agrária e deixando sem solução os crimes do latifúndio e de sua pistolagem.
Mas isso não escandaliza.
As denúncias sobre casos de trabalho escravo contemporâneo atingem um recorde histórico no Brasil, de acordo com o relatório "Conflitos no Campo no Brasil 2008", elaborado pela Comissão Pastoral da Terra, que registra 280 ocorrências no ano passado. Ao todo, os casos relatados pela CPT envolveram sete mil trabalhadores, 86 deles crianças e adolescentes, tendo havido 5,2 mil libertações.
Mas isso não escandaliza.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, de 1995 a 2002, a Fiscalização do Trabalho do ministério realizou 177 operações em 816 fazendas, lavrando-se 6.085 autos de infração. Já no período de 2003 a 2008, foram realizadas 607 operações, envolvendo 1.369 fazendas fiscalizadas, onde foram lavrados 16.981 autos de infração, o que significa um incremento anual de 272,1% em relação ao período anterior.
Mas isso não escandaliza.
O recorde nas denúncias foi acompanhado da intensificação da ação fiscalizadora do governo federal, que declarou a erradicação e a repressão ao trabalho escravo contemporâneo como prioridades do Estado brasileiro. O Plano prevê a aprovação da PEC que altera o art. 243 da Constituição Federal, dispondo sobre a expropriação de terras - sem indenização - onde forem encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão e que, em muitas situações, tentam fugir da fazenda e são impedidos pelo fazendeiro. Mas os ruralistas escravocratas reagem e impedem a sua aprovação pelo Congresso Nacional.
Mas isso não escandaliza.
Ideólogos do agronegócio escravocrata tentam explicar o injustificável, chegando a afirmar que "o principal objetivo desse trabalhador em eventual fuga da fazenda e posterior retorno trazendo a fiscalização trabalhista não seria apenas evitar o pagamento da dívida contraída com o empreiteiro, mas, talvez muito mais importante, receber a ‘multa’ de vários milhares de reais, comumente imposta pelo fiscal ao agricultor e em favor do trabalhador, sob a acusação de prática de ‘trabalho escravo’ por parte do fazendeiro. Além disso, os trabalhadores ‘libertados’ passam a receber seguro desemprego, sendo possível que, depois, passem a receber também Bolsa Família".
Mas isso não escandaliza.
Após mais de século da assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda convive com as marcas deixadas pelo regime colonial-escravista e por disparates escritos por seus neoideólogos. Conforme apresentação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, de 2003, assinada pelos então ministros Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e Jacques Wagner (Trabalho e Emprego), "a escravidão contemporânea manifesta-se na clandestinidade e é marcada pelo autoritarismo, corrupção, segregação social, racismo, clientelismo e desrespeito aos direitos humanos".
Mas isso não escandaliza.
Apesar do grande aumento da produção agrícola de 1975 para cá, os ruralistas tentam impedir a atualização dos índices de produtividade da terra para fins de reforma agrária e ameaçam o governo e os sem-terra com retaliações.
Mas isso não escandaliza.
Os ruralistas querem reinventar uma CPI para criminalizar o MST e intimidar o governo. Eles não querem a democracia e a justiça social. Eles querem continuar escravizando os trabalhadores rurais e impedir a reforma agrária no Brasil.
Mas isso não escandaliza.
Joaquim Nabuco, o abolicionista, dizia que a abolição da escravatura era indissociável da democratização do solo pátrio. Monarquistas e republicanos não lhe deram ouvidos e a concentração das terras em poucas mãos continua escandalosa.
Mas isso não escandaliza.
Antes da abolição, a rebeldia dos escravos escandalizava, mas o açoite neles, não.
Artigo do estatístico Osvaldo Russo, coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT e ex-presidente do Incra.
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4 comentários:
E na capa do Correio do Povo a foto de meia dúzia de estudantes "escandalizados", protestando com nariz de palhaço, pelo roubo da prova do Enem.
Enquanto isso, há a aprovação do relatório contra o impeachment da ladra e ninguém se escandaliza.
É de chorar!
Feil,
Considero oportuna a divulgação desse artigo que contribui para esclarecer a função do trabalho e da produção rural no nosso país. Considero que todo cidadão deve estar informação do processo de produção dos alimentos, assim como dos diferentes agentes envolvidos: agricultura familiar, assentamentos, agronegócio, senhores de escravos, trabalhadores sem terra, etc.
Nessa linha do presente artigo e com o uso de dados estatisticos levantados pelo IBGE ficamos sabendo da importância da produção das pequenas propriedades, no abastecimento alimentar da população.
Até quando vamos ter no Congresso nacional e nas Assembléias Legislativas dos Estados esses representantes dos senhores de escravos e do capitalismo selvagem?
Até quando vamos assistir brasileiros lutando para a produção de alimentos para o povo, sem serem atendidos nas suas mínimas necessidades vitais de existência, além de serem discriminados,difamados, maltratados e até assassinados?
Não se escandalizam nem com a revelação do IBGE: os pequenos agricultores com só 13% do financiamento agricola são responsáveis por quase 40 % da produção.
Por isso querem CPI, e esta midiazinha rastaquera fazendo a parte suja delas....
Claudio Dode
Nairom, matou a pau. Acertou na mosca! Gentalha, gentalha, gentalha; o verdadeiro nonsense político.
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