O preço
da cultura
Diante
da repercussão a respeito da decisão de permitir que estilistas
financiassem desfiles de moda por meio da Lei Rouanet, o Ministério
da Cultura procurou se defender.
Usando
um raciocínio eminentemente estratégico, em que as palavras de
ordem são a importância econômica da cultura e seu papel na
ampliação do poder do Brasil no jogo internacional, o MinC acabou
por demonstrar a rendição final da política cultural brasileira
aos argumentos do mais crasso economicismo.
Primeiro,
ninguém discute que, de uma certa forma, moda é cultura, assim como
telenovelas, futebol e práticas sexuais. Todos são modos de
produção simbólica de valores.
Uma
definição, porém, tão genérica de cultura não tem função
alguma para a construção de políticas focadas de Estado. Muito
menos a alegada definição de que aquilo que colabora para a
internacionalização do Brasil e a divulgação de sua simbologia
deve ser financiado. Pelo argumento, a TV Globo pode pedir isenção
fiscal para as suas próximas telenovelas.
Como não
podia deixar de ser, é no campo da cultura que se vê, de forma mais
brutal, a deposição de toda e qualquer aspiração crítica e
contestadora de certa esquerda brasileira. Fala-se em "quebra de
paradigma", mas o Ministério da Cultura apenas implementa o
paradigma, cada vez mais hegemônico, de indistinção geral entre
arte, entretenimento e mercadoria.
Afinal,
há de chamar de "gato" um gato. Estilistas são, acima de
tudo, comerciantes donos de loja que organizam sua produção a
partir da sensibilidade às demandas de mercado e a exigências de
máxima rentabilização de seu capital. Mas grupos de teatro não
são empresas, escritores não são comerciantes e um quadro não é
uma mercadoria, mesmo que tenha um preço.
As
políticas culturais foram criadas exatamente para garantir autonomia
para a produção artística contra sua colonização pela lógica
mercantil, contra sua restrição à condição de mero
entretenimento "cool", além de pensar formas de impedir
a consolidação de práticas de dirigismo cultural.
Contudo,
para que algo dessa natureza fosse possível, estruturas como a Lei
Rouanet deveriam ser radicalmente modificadas.
Um bilhão e duzentos mil reais foram perdidos pelo Estado para que empresas fizessem políticas de marketing às custas do erário, financiando, principalmente, musicais, Oktoberfest, festas gastronômicas, atividades da torcida do Palmeiras e, agora, desfiles de moda.
Um bilhão e duzentos mil reais foram perdidos pelo Estado para que empresas fizessem políticas de marketing às custas do erário, financiando, principalmente, musicais, Oktoberfest, festas gastronômicas, atividades da torcida do Palmeiras e, agora, desfiles de moda.
Pergunte,
no entanto, quanto desse dinheiro foi direcionado à construção de
conservatórios de música, bibliotecas ou em auxílio a saraus
literários na periferia
Artigo
do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP.
3 comentários:
Dezenas de vezes o Wlademir sai em defesa do povo, mas no artigo abaixo outro intelectual de peso sai em defesa do povo :
Todo poder aos rinocerontes!
“Transformar a arte em “bom negócio” como quer o governo, é corrompê-la e condená-la à mediocridade”
Augusto Boal – treatólogo – Criador do Teatro do Oprimido
Artigo publicado no JORNAL DO BRASIL – EM 16/9/1990- CADERNO IDÉIAS/ENSAIOS – PAGS 10-11
o final do artigo..........................................
Pretendem submeter o artista ao banqueiro, quando sabemos que a função do Estado é incentivar a cultura independentemente da sua cotação na Bolsa
Como vemos — como nem os cegos podem deixar de ver! — as leis do mercado, em arte, são corrompidas e corruptoras! Conduzem a mediocridade, à valorização do óbvio, a mais pura cretinice.
Pensando assim, foi com espanto e horror que li nas páginas do JB, dia 8 de Agosto, uma entrevista do atual secretário da cultura do governo federal e de um assistente seu. Nela se declara que o gover¬no abrirá uma carteira de crédito para o financia¬mento de projetos artísticos e que “Vamos tornar o negócio profissional: quem decidirá se um proje¬to é bom são os banqueiros; é uma questão empre¬sarial”. Fala-se também em “transformar arte em bilheteria” e que “o governo delegará ao próprio sistema financeiro a fiscalização dos projetos artís¬ticos”. Lei da selva! Todo o poder aos rinocerontes!
Sônia Braga em A dama do lotação: as estações de TV esquecem o moralismo na briga de foice pelo ibope
É impossível sentir menos do que repugnância diante dessas declarações que pretendem impor ao artista os critérios dos banqueiros, que valorizam o produto artístico pelo crivo de cruzados e cruzeiros, quando sabemos que a função do Estado, no campo da arte e da cultura, é precisamente o de se contrapor às leis dos mercadores e favorecer o florescimento de todas as formas culturais, inde¬pendentemente da sua cotação na Bolsa. Na selva não se pode instituir uma Lei Moral. Mas nós, onde estamos: em todo o Brasil ou pendurados nos galhos das árvores amazônicas? Por que só o leão tem vez?
Como produtores de arte e de cultura, temos o dever de alertar a todos contra essa monstruosa política genocida e anticultural que levará a nova carteira de crédito oficial a financiar apenas projetos que não necessitam de financiamento, como os de Xuxa, Angélica, Silvio Santos e Faustão; são esses os projetos rentáveis. É isso o que dá lucro. Mas será isso cultura?.
Num artigo curto, o professor Safatle diz tudo e mostra como a "certa esquerda" perdeu realmente o rumo.
Bombas atômicas, napalm, agente laranja, urânio "empobrecido", fósforo branco.
Realmente, os governos dos Estados Unidos, pretensos altruístas, são doutores em armas químicas.
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