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terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Ministério da Cultura confirma a indistinção geral entre arte, entretenimento e mercadoria



O preço da cultura

Diante da repercussão a respeito da decisão de permitir que estilistas financiassem desfiles de moda por meio da Lei Rouanet, o Ministério da Cultura procurou se defender.

Usando um raciocínio eminentemente estratégico, em que as palavras de ordem são a importância econômica da cultura e seu papel na ampliação do poder do Brasil no jogo internacional, o MinC acabou por demonstrar a rendição final da política cultural brasileira aos argumentos do mais crasso economicismo.

Primeiro, ninguém discute que, de uma certa forma, moda é cultura, assim como telenovelas, futebol e práticas sexuais. Todos são modos de produção simbólica de valores.

Uma definição, porém, tão genérica de cultura não tem função alguma para a construção de políticas focadas de Estado. Muito menos a alegada definição de que aquilo que colabora para a internacionalização do Brasil e a divulgação de sua simbologia deve ser financiado. Pelo argumento, a TV Globo pode pedir isenção fiscal para as suas próximas telenovelas.

Como não podia deixar de ser, é no campo da cultura que se vê, de forma mais brutal, a deposição de toda e qualquer aspiração crítica e contestadora de certa esquerda brasileira. Fala-se em "quebra de paradigma", mas o Ministério da Cultura apenas implementa o paradigma, cada vez mais hegemônico, de indistinção geral entre arte, entretenimento e mercadoria.

Afinal, há de chamar de "gato" um gato. Estilistas são, acima de tudo, comerciantes donos de loja que organizam sua produção a partir da sensibilidade às demandas de mercado e a exigências de máxima rentabilização de seu capital. Mas grupos de teatro não são empresas, escritores não são comerciantes e um quadro não é uma mercadoria, mesmo que tenha um preço.

As políticas culturais foram criadas exatamente para garantir autonomia para a produção artística contra sua colonização pela lógica mercantil, contra sua restrição à condição de mero entretenimento "cool", além de pensar formas de impedir a consolidação de práticas de dirigismo cultural.

Contudo, para que algo dessa natureza fosse possível, estruturas como a Lei Rouanet deveriam ser radicalmente modificadas. 

Um bilhão e duzentos mil reais foram perdidos pelo Estado para que empresas fizessem políticas de marketing às custas do erário, financiando, principalmente, musicais, Oktoberfest, festas gastronômicas, atividades da torcida do Palmeiras e, agora, desfiles de moda.

Pergunte, no entanto, quanto desse dinheiro foi direcionado à construção de conservatórios de música, bibliotecas ou em auxílio a saraus literários na periferia

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP.


3 comentários:

roberto sims disse...

Dezenas de vezes o Wlademir sai em defesa do povo, mas no artigo abaixo outro intelectual de peso sai em defesa do povo :

Todo poder aos rinocerontes!

“Transformar a arte em “bom negócio” como quer o governo, é corrompê-la e condená-la à mediocridade”

Augusto Boal – treatólogo – Criador do Teatro do Oprimido


Artigo publicado no JORNAL DO BRASIL – EM 16/9/1990- CADERNO IDÉIAS/ENSAIOS – PAGS 10-11

o final do artigo..........................................

Pretendem submeter o artista ao banqueiro, quando sabemos que a função do Estado é incentivar a cultura independentemente da sua cotação na Bolsa

Como vemos — como nem os cegos podem deixar de ver! — as leis do mercado, em arte, são corrompidas e corruptoras! Conduzem a mediocridade, à valorização do óbvio, a mais pura cretinice.

Pensando assim, foi com espanto e horror que li nas páginas do JB, dia 8 de Agosto, uma entrevista do atual secretário da cultura do governo federal e de um assistente seu. Nela se declara que o gover¬no abrirá uma carteira de crédito para o financia¬mento de projetos artísticos e que “Vamos tornar o negócio profissional: quem decidirá se um proje¬to é bom são os banqueiros; é uma questão empre¬sarial”. Fala-se também em “transformar arte em bilheteria” e que “o governo delegará ao próprio sistema financeiro a fiscalização dos projetos artís¬ticos”. Lei da selva! Todo o poder aos rinocerontes!


Sônia Braga em A dama do lotação: as estações de TV esquecem o moralismo na briga de foice pelo ibope

É impossível sentir menos do que repugnância diante dessas declarações que pretendem impor ao artista os critérios dos banqueiros, que valorizam o produto artístico pelo crivo de cruzados e cruzeiros, quando sabemos que a função do Estado, no campo da arte e da cultura, é precisamente o de se contrapor às leis dos mercadores e favorecer o florescimento de todas as formas culturais, inde¬pendentemente da sua cotação na Bolsa. Na selva não se pode instituir uma Lei Moral. Mas nós, onde estamos: em todo o Brasil ou pendurados nos galhos das árvores amazônicas? Por que só o leão tem vez?

Como produtores de arte e de cultura, temos o dever de alertar a todos contra essa monstruosa política genocida e anticultural que levará a nova carteira de crédito oficial a financiar apenas projetos que não necessitam de financiamento, como os de Xuxa, Angélica, Silvio Santos e Faustão; são esses os projetos rentáveis. É isso o que dá lucro. Mas será isso cultura?.

Nelson disse...

Num artigo curto, o professor Safatle diz tudo e mostra como a "certa esquerda" perdeu realmente o rumo.

Nelson disse...

Bombas atômicas, napalm, agente laranja, urânio "empobrecido", fósforo branco.
Realmente, os governos dos Estados Unidos, pretensos altruístas, são doutores em armas químicas.

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