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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Esmagada pelos bancos, Grécia quer agora retomar sua soberania



O fuzilamento da Grécia

Se eu fosse do Itamaraty, sempre tão cioso do respeito à soberania de todos os países, apresentaria um protesto veemente ao G20 contra a flagrante violação da soberania da Grécia.

O que se está fazendo com o berço da democracia é uma intervenção brutal. Não é de hoje, mas tornou-se exponencial a partir do instante em que seu primeiro-ministro, George Papandreou (foto), exerceu o legítimo direito de anunciar a convocação de um plebiscito para que os gregos decidam se aceitam ou não a ajuda europeia, condicionada a um ajuste rigoroso.

É uma opinião compartilhada, por exemplo, por Sven Böll, da revista alemã "Der Spiegel", que está longe de ser porta-voz do PSOL: "Os gregos, para mudar um pouco, decidirão por eles próprios como eles e seu país caminharão. (...) Por cerca de um ano e meio, este país, antes orgulhoso, tem estado sob administração estrangeira; não é mais de fato um Estado soberano".

Dizer algo parecido das repúblicas bananeiras latino-americanas de tempos atrás não chocaria ninguém. 

Constatá-lo a respeito de um país europeu é de uma gravidade que parece escapar às análises centradas apenas no sobe-e-desce das Bolsas, no vaivém do risco-país ou nos aspectos financeiros do caso.

O fato é que a Grécia, sob intervenção europeia, só fez regredir nesse ano e meio, qualquer que seja o indicador para o qual se olhe. Cito um, talvez o mais dramático: o número de suicídios nos cinco primeiros meses do ano aumentou 40% na comparação com os cinco primeiros meses de 2010.

Robert Kuttner, em "The American Prospect", encontra nessa tragédia a explicação para o gesto de Papandreou de fazer o anúncio do plebiscito:

"Papandreou está simplesmente cansado de ser o agente da destruição econômica de seu próprio país nas mãos dos banqueiros. Está também cansado da impopularidade política que vem com seu papel de corretor da austeridade".

Kuttner desconfia, além disso, que o premiê resiste a eventual truque da banca para driblar o corte de 50% na dívida grega, decidida pelos europeus há uma semana.

Que truque? Usar os juros sobre os novos papéis da dívida e os prazos de maturidade para diminuir o prejuízo.

Escreve Kuttner: "Ele está jogando a única carta que tem: se os banqueiros refugarem no alívio da dívida a que se comprometeram em princípio, a Grécia dará o calote. E Papandreou quer que a decisão seja feita pelo povo grego e não pelos burocratas".

Do que se pode acusar Papandreou é de não ter tomado decisão parecida antes, no início das negociações para o primeiro pacote.

Tudo indica que ele se deixou levar pela infernal gritaria dos mercados de que, se a Grécia não pagasse integralmente sua dívida, estaria condenada aos infernos para todo o sempre -o mesmo cantochão que se gritou no caso da Argentina, faz dez anos, e se revelou falso.

Agora talvez seja tarde: escrevo vendo, pela TV, Papandreou sentado ante o pelotão de fuzilamento formado pelo presidente Nicolas Sarkozy, pela chanceler Angela Merkel, pelos líderes da Comissão Europeia e pela diretora-gerente do FMI.

Artigo do jornalista Clóvis Rossi, surpreendentemente contrário à posição editorial de seus patrões da Folha. Publicado hoje na Folha. Ele escreve direto de Cannes, onde se realiza a reunião do G20, agora ‘esquentada’ pela crise da crise grega, com a decisão digna de "terrorista internacional", como está sendo interpretado pela mídia serviçal dos bancos, do referendo popular proposto pelo primeiro-ministro grego. 

4 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Estão certos os gregos. Vão decidir, via plebiscito, se adotam ou não medidas mais duras patrocinadas pelos países mais ricos da zona do Euro e dos bancos. Se a decisão for negativa, no sentido de que a Grécia não vai acatar essas medidas, provavelmente o país será forçado a sair da zona do Euro.

Será que isso é ruim?

Olha, talvez seja positivo. Saindo da zona do euro a Grécia terá moeda própria. Em outras palavras, mais autonomia (ou vá lá, soberania). O governo grego - abandonando o euro - terá mais condições e ferramentas (porque poderão dispor de sua própria moeda) para vencer essa crise (que parece ser quase crônica).

Exemplo, com moeda própria poderá fazer ajustes cambiais (hoje não se pode), fazer valorização e desvalorização ou aumentar e diminuir os juros, bem como poderá implementar políticas econômicas isoladas, o que hoje é impossível.

Nelson disse...

De vez em quando, o Rossi lembra aquele Rossi da antiga.

A verdade é que a linguagem de Rossi é "nua e crua". Bem apropriada para descrever o que está sendo perpetrado pelos governos ditos democráticos e civilizados em termos de sacrifícios duríssimos a serem impingidos ao povo grego com o objetivo de resguardar os ganhos de grandes bancos.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Nelson, as pessoas evoluem.

E na Grécia, tudo continua na mesma. Não vai haver plebiscito, consultas, nada. O país vai ficar na zona do euro e dependente de políticas externas.

Tem um lado bom, mas também têm lados ruins.

Anônimo disse...

A Islândia fez um referendo popular à poucos anos atrás, privatizou bancos e agora está com a crise superada. A velha mídia que antes da crise de 2008 gritava aos quatros ventos que a Islândia era um exemplo neoliberal, durante a crise e após a superação dela não escreve uma linha sequer sobre a questão. Para ela, é preferível vender peixe estragado.
Abraço,
Maria José

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