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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Agora é o seguinte: quem está ao lado e quem está contra Lula


Este é o lema político do segundo turno de 2010

O segundo turno da eleição presidencial de 2010 será a prova dos nove acerca do lulismo de resultados. Pessoalmente, o presidente Lula alcança cerca de 82% de popularidade no País. É um feito inédito, considerando a nossa história recente e menos recente. Somente dois outros presidentes da República tiveram tantos demonstrativos de estima e admiração dos brasileiros: Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek de Oliveira. Não por acaso, dois líderes reformadores que modificaram o país e projetaram-no a patamares de desenvolvimento institucional, social, político e econômico que até hoje são lembrados como definidores de traços da nossa identidade nacional. Também não é por acaso que estes dois brasileiros foram os que sofreram os maiores ataques dos seus adversários de então. Um, foi levado ao suicídio como arma política que prorrogou o golpe que afinal se abateu dez anos depois, em 1964. O outro, foi morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Objeto de suspeitas sobre uma possível eliminação de adversários dos governos militares do Cone Sul, sob a sanha da chamada Operação Condor.

O teólogo Leonardo Boff, notabilizado pela intolerância do cardeal Ratzinger, depois papa da Igreja católica, tem sobre os seus ombros uma tarefa político-eleitoral de enorme significado. Me explico: Boff foi um dos pioneiros a fomentar a candidatura de Marina Silva à presidência da República. Temos informações confiáveis sobre esse fato. Depois de verificar a importância cada vez mais estratégica do tema ambiental, ainda que numa chave não-convergente com o pensamento hegemônico, Boff estimulou a vaidade da ex-seringueira acreana a ponto de fazê-la aceitar o desafio. Não podia ser dentro do PT, petreamente hegemonizado pelo lulismo. Acabaram achando uma sigla prostituída e sem nenhum caráter, a não ser a coloração Verde, sugerindo vagamente o compromisso ambiental, mesmo que em vigésimo lugar na sua interna hierarquia pseudo-programática. Mas faltava a chama essencial, a credibilidade de padrinhos políticos reconhecidos pelo establishment midiático nacional. É quando entram em cena os dois pajens de armas de Marina, a saber: Fernando Henrique Cardoso e Fernando Nagle Gabeira. FHC viu logo em Marina a possibilidade de promover uma fissura no lulismo e ao mesmo tempo anular o inegável caráter plebiscitário da eleição de 2010. Agora, Marina Silva deixava de ser tanto um projeto de vaidade pessoal da acreana, quanto um vago discurso rousseauniano em favor da sustentabilidade do planeta, para se constituir em potente vetor eleitoral - polido de Verde - de desconstituição do lulismo de resultados. Como se vê uma engenhosa arquitetura eleitoral de montagem de uma importante linha auxiliar da direita. Os fatos das últimas horas estão a evidenciar o acerto, ainda que provisório, do empreendimento antilulista. O diacho é que não se vence corrida eleitoral somente com descontrução e negatividade. Mais que isso, é precisar apontar para o futuro com dedos, olhos e mãos propositivas, com os braços carregados de esperanças e repletos de afirmações positivas. Eleição é sobretudo positividade, mesmo que seja apenas retórica, como acontece na maioria dos casos. Você pode e deve negar, mas simultaneamente deve propor ações objetivas e esperanças coletivas.

Isto posto, José Serra é um candidato improvável. Nos últimos sessenta dias experimentou uma dezena de personas, máscaras, discursos e retóricas de ocasião. Tentou ser lulista. Tentou ser denuncista. Tentou ser escandaloso. Tentou ser vítima. Tentou usar de forma instrumental a própria filha. Tentou ser experiente. Tentou ser líder. Tentou ser popular. Tentou ser religioso. Tentou ser crente. Só não tentou ser José Serra, filiado ao PSDB, companheiro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, afetado, vaidoso, impopular e descrente de si próprio (renunciou ao seu legado intelectual) e do Brasil.

No laboratório mesmo, Leonardo Boff viu o monstrinho que acabara de dar vida política. Desde então tratou de se reconciliar com o lulismo, apoiando a candidata de Lula à presidência da República, expresso em diversos artigos publicados nas últimas semanas. Mas falta mais. Falta puxar a acreana do fundo do seu poço de vaidade e mostrar a ela a trajetória do seu descaminho. Mostrar que os seus 20% de votos são compostos por pedaços da própria vaidade, por pedaços de circunstâncias irrepetíveis, pelo fortuito e pela acidentalidade dos fatos. Marina Silva é a quintessência da casualidade e do conjuntural. Nela, quase tudo é falso e improvisado. Sua formação religiosa católica - chegou a ser noviça conventual - ficou subsumida a um credo evangélico flou e de ocasião. Suas sinceras convicções ambientalistas ficaram dependentes e subordinados a um projeto econômico liberal que se quer sustentável apenas na retórica e no manejo astucioso da palavra. Sua liderança episódica não se sustentará sobre a base insólita de um partido desfigurado e prostituído.

Assim, o segundo turno se afigura - agora, em definitivo - como um grande plebiscito: os que estão contra Lula e os que estão a favor de Lula. A eleição acabou retornando ao leito natural dos fatos e acontecimentos positivos dos últimos anos, quando quase 60 milhões de brasileiros tiveram graduação no seu status social, o país saiu da estagnação econômica das últimas três décadas, e o Brasil se projetou no plano internacional com força, identidade própria e soberania. Há, claro, muitas lacunas, falhas e omissões imperdoáveis mas é o que se conseguiu em oito breves anos, depois de uma espera de frustrações, golpes militares, derrotas e acertos pelo alto de quase meio século.

Dilma Rousseff é o indivíduo fio-condutor de um longo processo de afirmação da modernidade burguesa no Brasil. Arrisco a dizer que ela representa os ideais republicanos e modernizantes do castilhismo, ainda na rústica vertente pré-democrática, do getulismo, do juscelinismo, como aspiração das classes médias urbanas, do nacionalismo que pende para a esquerda (inclusive com raízes militares) e finalmente da esquerda não-stalinista, bem como da cidadania sincera (como dizia Basbaum), republicana e que aposta na Utopia.

Então decidamos: quem está com Lula, fica com Dilma. Quem está contra Lula e contra as últimas conquistas do Brasil e dos brasileiros, que fique com José Serra, essa improbabilidade ativa. Este é o ponto e a pauta do qual Dilma não pode se afastar.

17 comentários:

Tiago Aguiar disse...

Realmente a Marina serviu ao interesse do Serra. Mas o problema, é que em meu modesto sentir ela não atuou com malícia, ela tem o direito de tentar ser presidente.

Sou filiado ao PT. Votei em Dilma. Tenho horrores de José Serra e do PSDB. Mas a Marina deixou a sua marca por todas as décadas que esteve no PT. Ela ajudou a fundar e a construir o PT. É fato...

Ela não se transmutou num ser eivado de vilania por simplesmente ter saído do PT.

E principalmente, atacar a Marina não é a melhor estratégia neste particular momento, posto que o objetivo é impedir que os seus 20% caiam no colo de José Serra.

Sim, a Marina teve muitos votos em razão de hoaxes e de terrorismo religioso. Sim, ela teve votos de jovens idealistas, de pessoas que admiram a sua trajetória de vida.

Mas creio que ela teve muitos votos pela proposta de acabar com a divisão irracional entre o Fla e o Flu, o PT e o PSDB. Pela promessa de tentar fazer política de uma maneira diferente do que é feita.

Se isso seria possível? Bem, a substância do sistema político tem na história o exemplo de Collor, de um presidente sem sustentação e atacado pela mídia ter sido condenado politicamente e absolvido no STF.

Enfim, concordo que Boff percebeu que o progresso do país corria riscos pelas chances do PSDB, mudou de posição - mas questiono se ele chegou a atacar de qualquer modo a Marina Silva.

Saudações fraternas

Juarez Prieb disse...

Tiago, de boas intenções o inferno está lotado.

Ela tem sim direito de concorrer à presidência, mas não tem o direito de trair a sua religião original e os seus ideais permanentes de ambientalista exemplar que foi, mas agora se curvou à força do mercado.

francisco.latorre disse...

mais um mês de sofrimento. preocupação. e trabalho extenuante.

porque um bando de mauricinhos idiotas foi de marina. achando chique.

imperdoável.

não sabem votar.

nem com o coração. contra a miséria e a fome.

nem com a cabeça. o bolso. pela prosperidade.

..

ze bronquinha disse...

Marina sempre foi uma ambientalista de mercado, aliás como são a maioria dos petistas que não se envergonham em assumir o ecocapitalimo. Marina pode muito bem voltar ao PT e reasumir seu ministério do meio ambiente para dar continuidade a sua meia política en defesa da vida.

Guto disse...

E...Lulla está acima do bem e do mal, conforme o ex-produtor de cachaça. Por favor, me economiza...quero mais que se F8d4 Dilma/serra/lulla tudo igual

Omar disse...

A última da Folha:
http://blogoleone.blogspot.com/2010/10/folha-em-campanha-quer-autos-do.html#links

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Ótima análise, mas discordo do final, do tom determinista e quase pessimista.

É possível não se estar a favor do Lula e, ainda assim, votar na Dilma, por se estar CONTRA o atraso representado pela Marina e pelo Serra.

É este meu caso.

Sou crítico aos 8 anos Lula e temo que muitos pontos importantes aos Movimentos Sociais sejam definitivamente abandonados num eventual governo Dilma (notadamente a Reforma Agrária), mas seria MUITO pior um governo (sic) Serra, ma volta ao nosso passado tenebroso.

Se defendo Dilma agora não é por concordar com Lula, mas por saber que o que há em oposição é pior.

http://tsavkko.blogspot.com

Anônimo disse...

O que seria "esquerda não stalinista" ? O "lulismo de resultados" ? Eu como ateu, a favor da legalização do aborto( e não a pratica pura e simples do aborto que é uma estupidez!), que teima em acreditar em Marx, Darwin e na ciência e que não faço parte do batalhão anti-comunista (que se apresenta como anti-stalin ou não estalinista) que reune desde nazistas,macartistas e até trotskistas(que na verdade são bem parecidos)devo votar nulo?

Remindo disse...

A esquerda vai ter mais 4 semanas para pregação política/ideológica, quase um mês para cantar as conquistas da população brasileira durante o governo Lula. Vamos ter mais 27 dias para o Serra e o Índio dizerem e fazerem um monte de besteiras. Vou me divertir muito neste outubro de 2010. Aqui no RS fizemos a barba do Paim, o cabelo da Stela Farias e o bigode do Tarso.

Anônimo disse...

Vamos ligar urgente nossa fábrica de boatos anti-Serra !!! Vale tudo nessa baixaria. Vamos jogar com as mesmas armas deles. Já funcionou da outra vez.

Anônimo disse...

Da mesma foram que a Dilma está sendo demonizada, há também o mesmo ocorrendo com a Marina, esse tipo de demonização da Marina só fará trazer mais descontentes ao PT.

Há realmente uma reflexão sobre o meio ambiente, muito mais profunda que a Marina propõe, que está no nível civilizatório, ou seja não podemos continuar a construir prédios e mais prédios, ruas e mais ruas, carros e mais carros. Nosso modelo desenvolvimentista industrial está ultrapassado. Isso tem que ser discutido.

Acho que Marina é diferente da Heloisa Helena, precisamos ter cuidado com o modo de tratarmos a Marina, isso foi um dos fatores que passou uma postura de arrogância aos eleitores.

Foram vários erros do PT que levaram ao segundo turno.

Agora a bola está com o PSDB, temos que retomá-la. Por enquanto estamos perdendo terreno de algo que estava muito fácil ganhar.

Fabrício Nunes disse...

A mídia vai detonar Dilma. Podem crer. De sangue doce, digo a vcs que a única alternativa - a verdadeira BALA DE PRATA - seria desde logo a candidata petista ANUNCIAR ao eleitorado que Lula será o seu Ministro chefe da casa Civil. Desnortearia a direita brutal e, de resto, faria com que o povo introjetasse a idéia de votar no Lula como governante, não só como cabo eleitoral.
Que tal?

claudia cardoso disse...

É o que parece do que tenho lido a respeito da condução do segundo turno: programa/projeto político e era isso. Talvez, alguma que outra denúncia da sacanagem midiática, como fez Dilma com matéria da FSP sobre suas contas, enqto. Secretária de Estado do RS no Governo Olivido Dutra.
Acho que o Pres. Lula tb intervirá, em caso de excesso midiático-tucano, nos mesmos moldes do I turno.
Agora, Presidenta empossada, espero outro comportamento como mandatária: será preciso enfrentar a extrema direita brasileira, via lei de meios e, ao mesmo tempo, abrir os arquivos da ditadura civil-militar. É esse grupo que tenta dia sim, outro também, desestabilizar/embargar/interditar as eleições brasileiras, com seu discurso mentiroso, hipócrita e cínico.

Anônimo disse...

Meu caro Feil,
Por que representaria Dilma apenas a esquerda não-estalinista?
Não poderiam os acólitos de Serra/Gabeira e quiçá Marina dizer que, justamente, "contrario sensu", Dilma é quem encarna a esquerda estalinista?
E qual seria o problema, de resto?
Tarso não era estalinista-maoista?
E a própria Marina, não o foi?
Ora, meu caro, leia o trotskista Jaime Petras, que dizia que em nome do anti-estalinismo os "bem-intencionados" acabaram apoiando a direita pura e dura encarnada por Lech Walesa na Polônia.
Ou lembre-se do saudoso Cláudio Abramos, saudoso trotskista para que o anti-estalinismo é o biombo dos que na verdade são apenas anti-comunistas.
Ou você prefere trotskistas como Paulo Francis e Raquel de Queiroz?
Cuidado: Fidel representa hoje o que Stalin já representou, embora você o chame de "coveiro da revolução" e insinue que mandou matar Walter Benjamin.
Ou você acredita também que Fidel, esse "estalinista", foi quem mandou matar Allende?
Saudações bolcheviques e Dilma neles!

Suzie disse...

Ai meu Deus...
Quantos rótulos!!!!!!!!!!!!!!
Penso que neste momento, toodooos(as) são pragmáticos.
Quem entra na disputa política, necessita ser pragmático.
Não vejo nada errado, afinal... nada é desinteressado.
Quando perdemos o interesse por algo ou alguém... ficamos "neutros"(as).
A política mundial está BIPOLAR.
Quem ficará "fora"?
Acredito que mais importante é o RECONHECIMENTO DO(A)INIMIGA(O) do objetivo: um PAÍS para TODOS(AS)!
A Dilma é o único caminho VISÍVEL/POSSÍVEL!
Mais do que NUNCA decidimos o NOSSO FUTURO!!!!!!!!

Anônimo disse...

É triste ver tanta falta de informação! Só deveriam se manifestar aqueles que se pautam em fatos.
Marina traiu sua religião original? Que constatação ridícula! Marina simplesmente mudou suas crenças religiosas e sua doutrina - há muito tempo -, o que é direito de qualquer pessoa.
Marina é ambientalista de mercado? Quem disse isso não conhece a tragetória de vida dessa mulher, totalmente comprometida e dedicada à causa ambiental, a ponto de ser considerada na Europa como uma das 100 pessoas que podem salvar o planeta (única na América do Sul).
Não acreditar nela como presidente do país e por isso não votar nela é um direito de cada um, mas... Por favor, menos ignorância e apelação! E acima de tudo, muito respeito para com a pessoa de Marina, pois isso é o mínimo do mínimo que ela merece, por sua conduta inquestionável e seu comprometimento sincero e raro com todas as causas que realmente importam em nosso país.

arkx disse...

os blogs se tornaram tão somente a antítese da grande mídia; tanto uns contra a outra pautam-se pela mesma visão binária da política brasileira: ou se está comigo, ou se está contra mim.

se a grande mídia sempre exaltou o sucesso inexistente dos governos FHC, a blogosfera se dedica a divulgar realizações imaginárias do governo Lula: nunca antes neste país houve tanta mistificação.

cada estatística apresentado pelo lulismo neoliberal é apenas uma meia-verdade.

enquanto exibe um lado da verdade favorável a uma defesa do governo Lula, convenientemente oculta a outra metade que o revela como a mais bem sucedida operação conservadora da história do Brasil: um governo dos trabalhadores que executa magistralmente a política dos patrões.
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