Você está entrando no Diário Gauche, um blog com as janelas abertas para o mar de incertezas do século 21.

Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Por que o ministro lulista fica tão aborrecido com o MST

Ministro presta-se para representar o tigre de papel crepom que a direita usa para desencorajar futuras ações políticas do movimento

Ontem, os jornais estamparam manchetes chamativas para as manifestações do ministro Guilherme Cassel do Desenvolvimento Agrário censurando duramente as ações políticas do MST, no interior de São Paulo. Sabendo-se que esses jornais são os intelectuais orgânicos da direita e do que ainda resta das velhas oligarquias nacionais do Brasil Colônia e do Brasil Império, não é de estranhar que instrumentalizem a voz de um ministro lulista para fazer a disputa com um dos braços mais vigorosos do movimento social brasileiro.

Então, cabe a indagação: por que mesmo o ministro lulista, que se tem na conta de ser portador de uma consciência progressista, presta-se para representar o tigre de papel crepom que a direita usa para desencorajar futuras ações políticas do MST?

Por definição conceitual, os movimentos sociais pertencem ao campo político. Campo onde, segundo Bourdieu, se encontram o Estado, os partidos de todo o espectro, os sindicatos patronais e de empregados, etc. Este campo não é um jardim florido, plano, liso e harmônico, ao contrário, é o palco ruidoso e brutal da luta de classes, atravessado pelo hiperrealismo dos conflitos, contradições e instabilidades, onde os movimentos sociais procuram permanentemente desequilibrá-lo em favor de suas lutas, conquista de direitos e reivindicações de classe. Filhos das desigualdades, os movimentos sociais buscam identidade política na luta permanente. Só as lutas sociais não geram movimentos sociais. Estes, só são sujeiros políticos quando refletidos na figura de seus opositores. Para existirem, os movimentos sociais necessitam da dissonância constante, da renovada disposição de luta, do questionamento diuturno ao poder. Não lhes interessa a embromada relação Situação versus Oposição, incapaz de revolver as motivações profundas da desigualdade estrutural, porque fruto precocemente podre da árvore da exploração, mas interessa sim o abalo e o choque constante às estruturas dessa relação promíscua.

Por que, então, não invadir as terras mal havidas da Cutrale? A invasão é mais que invasão, é expressão do capital simbólico de poder dizer que no Brasil ainda há falta de terra para os que trabalham, há falta de trabalho para os que buscam trabalho, há falta de saúde e há falta de educação para os que carecem de saúde e de educação.

Por isso o ministro lulista se sente atingido. O gesto bravo e forte dos sem-terra deixa-o nu. Mostra o quanto é inútil a sua política de mentirinha pela reforma agrária que nunca vem. Agora, o ministro ao invés de fazer a autocrítica, por estar comprometido numa disputa inócua e meramente teatral do tipo situação/oposição, prefere fazer o discurso do porta-voz do bom senso, aquele que aconselha o que deve ser e o que não deve ser, o que é justo e adequado, o que excede e o que é razoável, blablablablá...

As invasões do MST estão corretas e devem ser estimuladas. São ações que simbolizam, dão sentido e identidade política à luta dos excluídos. Se incomoda a grande imprensa é porque estão surtindo o efeito desejado.

Ontem à noite, o Jornal Nacional da TV Globo dedicou seis minutos ao tema das invasões dos sem-terra à gleba grilada pelos Cutrale. Mais um atestado da correção da luta do MST, que não pede licença para entrar como altivo protagonista na pauta da mídia oligárquica, mostra que no Brasil existem homens e mulheres fora do lugar, mostra que existe um País onde milhões de seus filhos são excluídos de direitos elementares, escorraçados como rejeitos sociais, e ofendidos como obstáculos à prosperidade indecente de alguns poucos.

5 comentários:

marcelo disse...

Ótimo comentário! Quando um representante do conservadorismo abre a boca pra falar sobre como os movimentos sociais deveriam agir, já está dando a dica contrária. A opiniao emitida pelo ministro é um sinal de que o caminho esta certo.

Hélio Sassen Paz disse...

Cristóvão,

Pelo dissenso necessária à política, um papel pouco protagonizado pela maioria dos blogs independentes seria o de elaborar breves dossiês sobre os "colonistas" do PIG.

Por exemplo: fulano trabalhou em tal lugar de tal ano a tal ano com beltrano, ciclano, etc. Fez isso, aquilo e mais aquilo outro. É amigo de sei lá quem e foi patrocinado/patrocina A, B, C e D.

É uma investigação árdua, mas funciona melhor do que a tática inócua que não irá nem contribuir para um impeachment, nem para aumentar o sangramento do desgoverno bovino.

[]'s,
Hélio

zé bronquinha disse...

Esta presença constante nos telejornais do filmete mostrando a derrubada de laranjais plantados em terras mal-havidas, só mostra o acerto dessa "ação direta" praticada pelo MST, que, por mim, não importa se foi o Rainha o seu mentor, mas abre, em tese, o estratégico debate do que fazer com terras férteis desse país,com eucalyptus e laranjas de suco para a exportação plantados, enquanto milhões não tem um pedaço de terra nem pra sua cova mortuária.É Guilherme, vocês da DS chegaram no fundo do posso com esse governo social-liberal, e pior, as elites, apesar disso detesta e rejeita vocês, pois vocês não são "habitué"de entrar em seus castelos e mansões.

Anônimo disse...

Cristovão, considero o MST o único grande movimento social capaz de dar suporte à tentativa de transformação social do país rumo a uma democracia realmente participativa e socialmente justa, e penso que a sua força constrangeria qualquer iniciativa de nossa elite golpista a imitar gestos similares ao efetuado no país centro-americano. Sou árduo defensor de sua causa, por isto venho até aqui este blog na procura de subsídios para defender-me dos fustigantes ataques de meus adversários políticos que utilizam-se daquelas imagens diuturnamente propagadas pela mídia golpista para diabolizar o movimento, mais do que já o faz. Pergunto, até que ponto aquilo contribuiu para uma maior conscientização da população em prol da tão procrastinada "reforma agrária"? Roaldo Luís Valiati, Médico Anestesiologista em Porto Velho, Rondônia. Abraço cordial.

Cristóvão Feil disse...

Prezado Roaldo,

Não acho que a luta do movimento social possa ter esse caráter didático que se gostaria que tivesse. Seria um idealismo nosso e um exagero sobre o papel dos movimentos em luta por direitos. Tanto mais que se sabe do filtro e da distorção dos fatos promovido pela mídia amiga. É importante que as pessoas observem o comportamento da midiocracia e façam uma leitura invertida da ótica das matérias. Exemplo: se a midia do pensamento único está exaltando muito certo fato, o truque é desconfiar e procurar a visão reversa. Inverter os sinais: o que serve para o pensamento hegemônico não serve para a estratégia contra-hegemônica. Sem querer simplificar demais o que é muito complexo, mas isso é o básico, o elementar.

Abç.

CF

Contato com o blog Diário Gauche:

cfeil@ymail.com

Arquivo do Diário Gauche

Perfil do blogueiro:

Porto Alegre, RS, Brazil
Sociólogo