Não tem cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas
Uma decisão recente do ministro da Justiça do Brasil, concedendo o estatuto de refugiado ao cidadão italiano Cesare Battisti [foto], merece especial atenção por sua importância dos pontos de vista ético, jurídico e político.
É oportuno lembrar que toda a história brasileira, desde 1500, é uma constante de concessão de abrigo e proteção a pessoas perseguidas por intolerância política, discriminação racial ou social e outros motivos injustos, como o uso arbitrário da força.
Assim, na segunda metade do século 20, pessoas perseguidas por se oporem aos regimes comunistas estabelecidos na Europa oriental, assim como outras que sofriam perseguição em países vizinhos do Brasil, por se oporem a governos fortes de extrema direita, procuraram e obtiveram no Brasil a condição de refugiados.
Deixando de lado as conveniências políticas e dando a devida prioridade aos valores do humanismo, o Brasil decidiu soberanamente, com independência, e concedeu aos perseguidos a proteção de sua ordem jurídica. No caso de Cesare Battisti estão presentes os requisitos fundamentais para a concessão do estatuto de refugiado, como fica evidente pela análise dos antecedentes do caso e pelo exame sereno dos dados do processo, minuciosamente expostos pelo ministro da Justiça.
Há pouco mais de 30 anos, Battisti foi militante de um grupo político armado, de orientação esquerdista. O governo italiano da época, de extrema direita, estabeleceu o sistema de delação premiada, pelo qual os militantes que desistissem da luta armada e delatassem seus companheiros ficariam livres de punição. Com base numa delação premiada, Battisti foi acusado da prática de quatro homicídios, sendo condenado à prisão perpétua.
Além de só haver como prova as palavras do delator, dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes.
Dispõe expressamente a lei nº 9.474, de 1997, que trata do Estatuto dos Refugiados no Brasil, que será reconhecido como refugiado o indivíduo que, devido a fundados temores de perseguição por motivo de opinião política, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não queira acolher-se à proteção de tal país.
Além daquela contradição no julgamento de Battisti, outro dado revelador é a enxurrada de ofensas e agressões de ministros do governo italiano ao governo e ao povo do Brasil pela decisão do ministro Tarso Genro.
Reagindo com extrema violência, o ministro do Exterior convocou o embaixador brasileiro na Itália para exigir a mudança da decisão, ao mesmo tempo em que outros ministros fizeram ameaças de represália, inclusive de boicote da participação do Brasil em reuniões internacionais.
Entretanto, muito recentemente o governo da França negou atendimento a pedido italiano de extradição de Marina Petrella, que, como Battisti e na mesma época, foi militante de um movimento político armado, as Brigadas Vermelhas. O governo italiano acatou civilizadamente a decisão francesa, reconhecendo tratar-se de um ato de soberania. Qual o motivo da diferença de reações? O governo e o povo do Brasil não merecem o mesmo respeito que os franceses?
Essa diferença de comportamento dos ministros italianos deixa mais do que evidente que é plenamente justificado o temor de Battisti de sofrer perseguição por motivo político. A reação raivosa dos ministros italianos não dignifica a Itália e elimina qualquer dúvida.
Por tudo quanto foi exposto, a decisão de Tarso Genro merece todo o acatamento. Expressa em linguagem clara e objetiva, deixando evidente sua inspiração humanista, livre de preconceitos ou parcialidade de qualquer espécie, a decisão tem sólido fundamento em dados concretos e faz aplicação correta e precisa dos preceitos jurídicos que regem a matéria.
A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro.
Artigo do advogado Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Publicado hoje na Folha.
Uma decisão recente do ministro da Justiça do Brasil, concedendo o estatuto de refugiado ao cidadão italiano Cesare Battisti [foto], merece especial atenção por sua importância dos pontos de vista ético, jurídico e político.
É oportuno lembrar que toda a história brasileira, desde 1500, é uma constante de concessão de abrigo e proteção a pessoas perseguidas por intolerância política, discriminação racial ou social e outros motivos injustos, como o uso arbitrário da força.
Assim, na segunda metade do século 20, pessoas perseguidas por se oporem aos regimes comunistas estabelecidos na Europa oriental, assim como outras que sofriam perseguição em países vizinhos do Brasil, por se oporem a governos fortes de extrema direita, procuraram e obtiveram no Brasil a condição de refugiados.
Deixando de lado as conveniências políticas e dando a devida prioridade aos valores do humanismo, o Brasil decidiu soberanamente, com independência, e concedeu aos perseguidos a proteção de sua ordem jurídica. No caso de Cesare Battisti estão presentes os requisitos fundamentais para a concessão do estatuto de refugiado, como fica evidente pela análise dos antecedentes do caso e pelo exame sereno dos dados do processo, minuciosamente expostos pelo ministro da Justiça.
Há pouco mais de 30 anos, Battisti foi militante de um grupo político armado, de orientação esquerdista. O governo italiano da época, de extrema direita, estabeleceu o sistema de delação premiada, pelo qual os militantes que desistissem da luta armada e delatassem seus companheiros ficariam livres de punição. Com base numa delação premiada, Battisti foi acusado da prática de quatro homicídios, sendo condenado à prisão perpétua.
Além de só haver como prova as palavras do delator, dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes.
Dispõe expressamente a lei nº 9.474, de 1997, que trata do Estatuto dos Refugiados no Brasil, que será reconhecido como refugiado o indivíduo que, devido a fundados temores de perseguição por motivo de opinião política, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não queira acolher-se à proteção de tal país.
Além daquela contradição no julgamento de Battisti, outro dado revelador é a enxurrada de ofensas e agressões de ministros do governo italiano ao governo e ao povo do Brasil pela decisão do ministro Tarso Genro.
Reagindo com extrema violência, o ministro do Exterior convocou o embaixador brasileiro na Itália para exigir a mudança da decisão, ao mesmo tempo em que outros ministros fizeram ameaças de represália, inclusive de boicote da participação do Brasil em reuniões internacionais.
Entretanto, muito recentemente o governo da França negou atendimento a pedido italiano de extradição de Marina Petrella, que, como Battisti e na mesma época, foi militante de um movimento político armado, as Brigadas Vermelhas. O governo italiano acatou civilizadamente a decisão francesa, reconhecendo tratar-se de um ato de soberania. Qual o motivo da diferença de reações? O governo e o povo do Brasil não merecem o mesmo respeito que os franceses?
Essa diferença de comportamento dos ministros italianos deixa mais do que evidente que é plenamente justificado o temor de Battisti de sofrer perseguição por motivo político. A reação raivosa dos ministros italianos não dignifica a Itália e elimina qualquer dúvida.
Por tudo quanto foi exposto, a decisão de Tarso Genro merece todo o acatamento. Expressa em linguagem clara e objetiva, deixando evidente sua inspiração humanista, livre de preconceitos ou parcialidade de qualquer espécie, a decisão tem sólido fundamento em dados concretos e faz aplicação correta e precisa dos preceitos jurídicos que regem a matéria.
A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro.
Artigo do advogado Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Publicado hoje na Folha.
20 comentários:
quando o brasil abrigou por 16 anos o ex-presidente e ditador do paraguai não houve tanto falatório.
Mais informações:
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/01/19/o-processo-contra-battisti/#more-25781
não vi tal "humanismo" e a"constante de concessão de abrigo e proteção a pessoas perseguidas por intolerância política" no caso dos atletas cubanos durante o Pan do ano passado.
Não estaria o governo sendo incoerente?
ZéMAné
Sobre os atletas cubanos: os dois atletas foram "cantados" por um agente europeu para jogar na Europa. Fugiram da delegação do Pan e foram farrear no litoral norte do Rio com o adiantamento dado pelo tal agente. Neste meio tempo descobriram tratar-se de um vigarista, o tal agente. Os cubanos se arrependeram e voltaram ao Rio se apresentando às autoridades e sem dinheiro algum para voltar à Havana. O ministério da Justiça apenas embarcou os atletas e pagou suas passagens, não tendo havido nenhuma tratativa jurídica no caso. O erro do Min. da Justiça foi ter liquidado o assunto de bate pronto. Deveria ter segurado os atletas e feito com que ELES explicassem o imbroglio no qual se meteram.
A imprensa e os zémanés de direita ficam aí levantando alguma relação entre os casos. Por quê? Porque o Min. da Justiça se precipitou e "resolveu" o caso sem fazer com que os atletas explicassem tudo.
Bem, meu caro Feil. Creio que o jurista Dalmo Dallari esclareceu a questão. Na dúvida, a decisão tem que ser a favor do réu. Não é este um dos princípios básicos da Justiça.
E o julgamento que condenou Battisti, como explica o professor Dallari, á altamente suspeito de ter sido forjado.
Portanto, como você disse na matéria anterior, ponto para o ministro Tarso.
Volto a insistir. O governo italiano não irá protestar, também raivosamente, contra os massacres perpetrados pelos governos de Israel, na Palestina, e dos Estados Unidos, no Iraque e no Afeganistão?
Feil. Esqueci do ponto de interrogação.
A frase correta é:
Não é este um dos princípios básicos da Justiça?
O Cacciola roubou e tava lá, faceirito. Os italianos não nos quiseram entregar pela dupla cidadania. Não entregaremos o Bastitti por causa do art. 5°, LII da CF e da reciprocidade.
Os cubanos não cometeram crime político em seu país, então o artigo supra citado não cabe aplicar.
Esse Tarso não é o mesmo que afastou o delegado responsável pelo pedido de prisão do Daniel Dantas?
Esse Tarso, desculpa, tarso, não é o mesmo que demitiu o delegado Lacerda - que o Dantas tinha com era inimigo - da Abin?
Esse tarso não é o mesmo que "queimou" o governo do Olívio para ser canditado? E que perdeu as eleições?
Esee Tarso, digo, tarso, não é o padrinho politico do prefeito de Canoas que ressuscitou o Bussato?
Flics
"Esquerdismo, a doença infantil do comunismo".
É... serve até para defender assassino.
Flics
Armando Spataro -Procurador da República de Milão (Itália)
coordenador do Departamento contra o terrorismo, em artigo públicado hoje na Folha.
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/
Neste mesmo endereço está o artigo do Dalmo Dallari.
O reacionário Armando Spataro explica neste artigo da FSP o motivo que o governo italiano não extraditou o bandido Cacciola, quando o governo brasileiro solicitou?
A Folha publicou outro artigo de um procurador da república italiano que conhece bem o caso e que tem argumentos muito mais profundos e consistentes dos que superficialmente foram analisados pelo complicado Dallari.
Battisti foi um criminoso comum que praticou diversos roubos para lucro pessoal. Foi preso e se politizou na prisão. Depois se filiou ao Brigadas Vermelhas e praticou lesões corporais e 4 homicídios. Que mortes foram essas? a) homicídio do marechal Santoro, praticado em Udine em 6/6/78; b) homicídio do policial Campagna, praticado em Milão em 19/4/79), c) o de L. Sabbadin, um açougueiro morto em Mestre, em 16/2/79), d)P. Torregiani, acontecido em Milão, em 16/2/79).
Entre esses mortos está um joalheiro e um açogueiro. Crime político, da onde????
As confissões do delator premiado foram confirmadas por diversas testemunhas, entre elas ex terroristas, companheiros de Battisti.
A Corte Europeia de Direitos Humanos de Estrasburgo (França) confirmou a sentença italiana.
Tarso, Carla Bruni e Cristóvão Feil têm razão. Esse assunto é bem simples. E bem jurídico também.
O que queria saber é a opinião de teu alter-ego Maia se Tarso tivesse um ataque e resolvesse fazer com nossos milicos da antiga o que fizeram com os militares torturadores na Argentina. Ele os defenderia, claro. Diria também que foram crimes comuns?
Que tal outro tema?
Boa Flics!!!!
o tal de tarso genro vive de destruir as coisas boas q a equipe do Olivio constroi, como ele é o representante da rbs e do pmdb dentro do PT ele destroi tudo que existe de bom no partido.
Quanto ao menino mais disputado do momento:
Quem sabe o tarso nao declara guerra contra a Italia pra ficar com o bandido/nao bandido.
O premio no final seria poder conceder abrigo remunerado (asilo politico tem remuneraçao, nao tem?) ao disputado mocinho.
O Brasil oferece uma casa na beira da praia em Itaparica e a Italia na Sardenha.
Matar um joalheiro e um açogueiro é crime político? Roubar para ter lucro pressoal é crime político? Da onde?
Não quis dizer alter ego, quis dizer personagem.
Este meliante parece que vai ser muito útil para algum petísta.
Deixem ele por aquí!
Perfeito o prof. Dallari. Soberania brasileira na decisão e ponto. Nada a ver com questões pontuais da política.
armando
Concordo com Anônimo (não em tudo, menos ainda no anonimato) quanto ao Tarso Genro e Olívio Dutra. Se tarso não tivesse feito o que fez contra Olívio, quem sabe a "Cruella" (101 Dálmatas em desenho animado - Yeda) não teria sido governadora do Estado?
Ao que eu saiba a Constituição Federal do Brasil veda a extradição quando a pena se tratar de pena de morte ou perpétua. . . Tô errado??? me corrigam se estiver errado. . . acabe-se o assunto. . .
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