“Ideais
audaciosos, altos sacrifícios, impulsos heróicos, tudo se dissipará
em meio à rotina trivial e monótona de fazer compras e votar”.
Perry Anderson
Depois de ser cassado,
José Dirceu desabafou de forma reveladora: “Foi como se eu
perdesse minha própria vida”.
Para além da sua falta de amizade com a boa sintaxe, José Dirceu briga não só com o pensamento de esquerda, mas sobretudo com qualquer pensamento.
A entrevista que concedeu aos jornalistas, no dia seguinte à cassação, tem a profundidade de um aipim.
Não há pensamento, só a repetição exaustiva do mantra defensivo, “não há provas contra mim”, e a hipostasia do parlamento. Como se o parlamento fosse a instituição absoluta para o exercício da democracia. Cotejar a revogação dos seus direitos políticos com a perda da própria vida é mais que um exagero, é tolice denunciadora da uma concepção aguada de política, de democracia, e de si próprio.
Para além da sua falta de amizade com a boa sintaxe, José Dirceu briga não só com o pensamento de esquerda, mas sobretudo com qualquer pensamento.
A entrevista que concedeu aos jornalistas, no dia seguinte à cassação, tem a profundidade de um aipim.
Não há pensamento, só a repetição exaustiva do mantra defensivo, “não há provas contra mim”, e a hipostasia do parlamento. Como se o parlamento fosse a instituição absoluta para o exercício da democracia. Cotejar a revogação dos seus direitos políticos com a perda da própria vida é mais que um exagero, é tolice denunciadora da uma concepção aguada de política, de democracia, e de si próprio.
Muito bem, de fato
inexistem provas contra o senhor Dirceu. Mas em caso de punição,
que caisse atirando, como bom combatente. Dissesse tudo que pensa
sobre o parlamento e o sistema representativo. Basta recolher as
análises agudas – nunca desmentidas – de Rousseau, de Marx, de
Rosa de Luxemburg, de Gramsci, de Karel Kosik, de Perry Anderson, de
István Mészaros, e tantos outros, para demonstrar a natureza
decaída do sistema político que representa (simula) a democracia
entre nós. Mas Dirceu está desarmado de pensamento. Ele que tivera
espírito de “comissário”, agora se comporta como “bela alma”,
conforme a classificação de Karel Kosik. “Comissário”, para
Kosik, é o burocrata político que, se acreditando revolucionário,
quer impor seus princípios dogmáticos e indiscutíveis aos outros.
E a “bela alma” – simetricamente oposta – é um ser retraído
pelo temor de se perverter com a ação política, o que se revela
inútil, pois sua passividade acaba por igualmente corrompê-lo face
a convivência passiva com o mal.
Na entrevista de José
Dirceu, não há um grão de crítica essencial à instituição que
acabara de baní-lo por dez anos da política chapa-branca. Nem
essencial, nem superficial.
É aí que o espírito de “comissário”
se dissolve na passividade da “bela alma”. Tem uma frase dele na
entrevista que é cristalina: “Sou apenas o Zé Dirceu. Me sinto
muito bem como Zé Dirceu”. Visivelmente, agora ele é um ser
reconciliado com a sua consciência. Viveu grande parte da vida
aturdido por uma moral bipartida: estar revolucionário ou ser
liberal. O longo processo de cassação na Câmara Federal lhe
apaziguou o espírito em conflito, a identidade liberal é a condição
harmônica da sua “bela alma”.
Um espírito ingênuo e
inconformado com o desfecho do caso José Dirceu pode ainda objetar:
“Mas o que queriam que ele dissesse, depois de cassado?”
Ora, todos sabemos que as
motivações para cassá-lo foram de natureza política e não pelo
envolvimento moral com as trapalhadas delubianas e valerianas. Foi
cassado um espectro de Dirceu, o velho Dirceu – que se presumia de
esquerda – que foi banido do País junto com dezenas de
revolucionários autênticos. A direita brasileira, os donos do
Brasil, não se conformam que “aquela gente” hoje esteja no
poder. Mesmo que “aquela gente” não seja mais a mesma
ideologicamente, e a agenda econômica seja autenticamente
neoliberal. A revista “Veja” estampa esse recalque azedo todas as
semanas, em todas as suas páginas gravadas de letras e ódio de
classe.
Então, o que o velho
Dirceu deveria dizer na sua entrevista coletiva?
Estou sendo banido de uma
instituição pré-republicana e que não representa a vontade
soberana da população brasileira. Aqui nesse parlamento a
democracia é uma simulação, onde prevalecem os interesses mais
fisiológicos e mais atrasados.
Poderia citar Rousseau
que, já no século 18, apontava a impotência do sistema
representativo para dar voz à vontade popular. Poderia citar Perry
Anderson, para quem o sistema representativo reduziu o cidadão à
anêmica condição de consumidor diário e eleitor esporádico, e
que tal cidadania é uma fraude e uma sonegação de direitos.
Poderia citar Gramsci e
suas elaboradas considerações sobre o que ele acremente denominava
de “cretinismo parlamentar” e as imposturas pseudodemocráticas
do sistema representativo-parlamentar.
Poderia reclamar pela
reforma político-eleitoral que o Congresso brasileiro malocou
sabe-se lá em que ordem de prioridade, e ao implementá-lo,
certamente, deve apresentar uma reedição das felpudas raposices
parlamentares de sempre: um corpo representativo de deputados e
senadores em si e para si, com as exceções de praxe (que no caso
presente não somam cem parlamentares). Dizer, a plenos pulmões, que
a esfera política é demasiadamente importante para ser conduzida
por uma casta parlamentar tutelada pelos donos do capital. Dizer que
o governo Lula ficou refém do fisiologismo dos congressistas por não
ter encaminhado uma reforma político-eleitoral autêntica e que,
neste sentido, é um avalista passivo da atual crise. Dirceu,
finalmente, poderia citar o velho Dirceu, o dos “ideais audaciosos,
dos altos sacrifícios, e dos impulsos heróicos”. Mas, pena,
Dirceu não é mais Dirceu. Apareceu uma versão invertida do anjo
torto de Drummond e disse-lhe:
“Vai, Dirceu, vai ser
liberal na vida!”
E ele foi. No rosto, já
sem a máscara revolucionária, estampou-se um sorriso resignado mas
feliz. Aos 59 anos, finalmente, descobriu a sua verdadeira
identidade.
Artigo
de Cristóvão Feil, publicado em Dezembro de 2005, por ocasião da
cassação do mandato parlamentar de José Dirceu.
5 comentários:
O nome correto é Rosa Luxemburgo.
Não existe esse 'de'.
Róża Luksemburg no original polonês.
O maior lobbista dos últimos 10 anos no Brasil, Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador e off course em Cuba. Quer fechar negócios nestes países e precisa de ajuda dos governos? Fale com Zé Dirceu que ele consegue.
Artigo típico de esquerdista mal intencionado: que vc queria que ele dissesse? Acha que a mídia iria repetir/publicar com todas as letras? O projeto dele é outro: um Brasil mais igual. Mas ele é um esquerdista que aprendeu como lutar contra o sistema, juntando-se a ele e fazendo a limonada do limão das instituições.
Ninguém tem moral para criticar Genoino, Dirceu ou Lula quanto à luta para melhorar a vida do povo brasileiro. Quem tentar fazer isto estará fazendo papel de Lacerda.
E pensar que 70% por cento do pT está envolvido nisto, que é o que representa pelo menos os que votaram no Rui Falcão; e que o governo além destes que chamas singelamente de "tripulias" delubianas" tem mais Sarney, Maluf, Collor, Renan, Padilha, Barbalhos e Bernardo Figueiredo....
Triste fim para a esquerda (?)pragmática...
E mais exercito na rua para fazer que bate em sindicalista que faz pose de manifestante...
E um governo "técnico" como pregavam em 64....
E chamando de pessimista os que discordam deste teatrinho indigente de governo de esquerda...
E assim se manifesta a Síndrome de Estocolmo retardada da Dilma.
Miserável do povo brasileiro para contar com um governo destes.
Esquerdista bem intencionados?
Eu acho que eles abandonaram a esquerda já bemm antes da carta aos brasileiro. A lias o Lacerda também teve algum momento algum momento na "esquerda", logicamente depois dr chegar so poder....
Pelo menos a tua consciência não ye traiu na lembrança. ..
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