Que não seja mais uma construção
interrompida
Esta semana o Copom do Bacen se reúne
para definir a taxa de juros. [A reunião foi ontem e decidiu por aumentar os juros em 0,25%. Nota do blog DG.] Trata-se de decisão da maior
relevância, especialmente porque se dá em contexto econômico
complicado, e sob um verdadeiro massacre ‘midiático’.
Consideramos que o controle da inflação
foi uma conquista da sociedade brasileira, a ser defendida. Em 14
anos de vigência do “Sistema de Metas para a Inflação”, em
apenas três anos a meta não foi cumprida (2001, 2002 e 2003). Desde
então, não houve falha: 2012 consagra o 9º ano consecutivo de
atendimento à meta de inflação.
Trata-se de uma longa construção,
reforçada pela postura de verdadeira independência do Bacen,
marcadamente desde a última reunião de 2010, quando o Copom adotou
medidas macroprudenciais, elevações de depósitos compulsórios e
exigências de reserva de capital. Esta diversificação dos
instrumentos foi uma grande inovação, pois para o mercado seria
mais simples avaliar apenas mudanças na taxa básica de juros. Além
disso o Bacen, balizado pelo bom senso, definiu uma convergência
mais suave da inflação para a meta, pois seriam demasiados os
custos de buscar o centro da meta ainda em 2011, como desejavam os
‘lobbistas’ do juro alto.
Os servidores do Bacen têm trabalhado
incessantemente no refinamento dos Relatórios de Inflação
trimestrais e nos Relatórios de Estabilidade Financeira, os quais
embasaram meticulosamente a marcante decisão de 31.8.2011 que deu
início à redução dos juros para os atuais patamares. Também
constatamos melhorias nos mercados financeiros e de capitais, graças
aos superávits primários consistentes e à redução da dívida
pública (relativamente ao PIB). A economia brasileira hoje apresenta
sólidos indicadores de solvência e de liquidez e baixos prêmios de
risco, que também são conquistas com elevado grau de perenidade.
Evidente que, face aos ciclos
econômicos, é normal ocorrerem reversões conjunturais. A atual
resistência da inflação decorre: (i) estruturalmente, dos anos de
crescimento econômico com forte ampliação da demanda (consumo),
que hoje se refletem em alguns estrangulamentos da oferta; e (ii)
conjunturalmente, de pressões localizadas de custos como os
relativos à alimentação.
Por conseguinte é primordial, hoje, o
estímulo à ampliação dos investimentos na oferta e na
infraestrutura de seu escoamento. Exatamente o contrário do que
se conseguirá com a subida dos juros, que aumentará os custos
de produção (custo de capital e financeiro) e bloqueará o aumento
da oferta.
O ataque à produção e aos salários
é vocalizado, por exemplo, pelo economista-chefe e sócio do
Itau-Unibanco (coincidentemente um ex-dirigente do BCB), que
recomenda: “reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho”
(OESP, 5.3.2013, p. A02).
Apesar da fraqueza da ‘atividade
econômica’ que teima em “não engatar a 1ª marcha” o
'sr.mercado' jura: "o ‘PIB’ ainda não está suficientemente
fraco...".
Cabe-nos indagar: qual seria o nível
de PIB suficientemente fraco? E o adequado? Quais os estudos
empíricos, técnicos ou acadêmicos que o determinam? Há consenso?
Quando a FIESP, a FCESP e os sindicatos reclamam que os juros estão
altos, são taxados de “políticos”. Os que reclamam o contrário
não o são? Vamos combinar então: os que defendem os ganhos dos
rentistas são sempre técnicos; os que defendem a produção e os
assalariados são políticos...
Não estamos propondo teses radicais
(que nunca foram as nossas) contra qualquer aumento da taxa de juros.
Mas não podemos deixar de constatar, sempre que surge este debate, a
existência de radicais do outro lado do “front”: especialistas
que estão sempre a postos para defender a alta dos juros, escudados
por argumentos lapidares e pela única opinião correta, científica
e profissional; de posse de tal ciência, decretam que qualquer outro
parecer é amador, não científico, não profissional ou, pior,
contaminado pela política.
Estes especialistas têm (sempre) tanta
convicção que os juros devem aumentar que desatam a atacar, também,
qualquer postura que se mostre ponderada, cautelosa ou que se busque
pautar pelo bom senso, como a defendida por alguns economistas – e
que vem sendo adotada pelo Banco Central.
A receita destes especialistas é
sempre a mesma, fazer o que sempre foi feito para tornar o país
campeão da pobreza e da desigualdade. Esta chaga social teve grande
contribuição destes despojados ‘cientistas’; eles sempre
tiveram a resposta pronta na ponta da língua --até porque a
resposta é sempre a mesma: “juros de todo o mundo,
‘subi-vos’!”.
Como a sabedoria popular ensina que até
um relógio parado acaba ‘dando a hora certa’ (duas vezes ao
dia!), talvez os sábios ‘juristas’ acertem desta vez e o Copom
aumente os juros – para debelar o acirramento das expectativas
inflacionárias, frise-se, que estes sábios insistentemente
atiçaram.
Conclamamos o Bacen a persistir na
efetiva independência – também do sistema financeiro – e a não
interromper a construção ponderada e competente dos últimos anos.
Artigo do economista José Paulo
Vieira, autor do livro “Antivalor: um estudo da energia elétrica”,
Editora Paz e Terra, 2007.
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