A
noite escura
Deve
ser um problema com o nome: "Comissão da Verdade". E
também de número: sete pessoas.
Não creio que haja sete caras no
mundo que tenham o mesmo conceito de e sobre a verdade.
Sempre
prevaleceu a verdade de cada um, o assim é se lhe parece, de
Pirandelo. Daí a dificuldade de dona Dilma nomear os membros que
examinarão atos e fatos criminosos do período ditatorial.
Cada
um de nós tem engasgado na garganta um detalhe daquele tempo. Alguns
são sabidos, há documentos, fotos, textos e depoimentos bastante
divulgados. Muita coisa, porém, continua em sigilo e é natural que
a sociedade cobre do governo a verdade dessa "noche oscura"
da vida nacional.
Pessoalmente,
gostaria de comprovar um episódio que até hoje não sei se é
verdadeiro, mas revelador da repressão naquele tempo. Certa noite,
um oficial da Aeronáutica e dois soldados saíram da Base Aérea do
Galeão numa kombi para apanhar oito inimigos do regime. Todos na
zona sul da cidade. Já quase madrugada, o oficial decidiu voltar ao
Galeão com os oito subversivos que constavam na lista que recebera
de seus superiores.
Na
altura da praça Mauá, ele resolveu contar os presos dentro da kombi
e viu que só conseguira apanhar sete. Não podia se apresentar ao
comando sem os oito detidos. Naquela hora e lugar, não havia ninguém
nas ruas, mas ouviu o barulho de uma banca de jornais abrindo na
esquina da rua São Bento para receber os primeiros exemplares.
Encostou a kombi e mandou que o dono da banca, um italiano de 45
anos, recém-chegado ao Brasil, entrasse no carro.
Pouco
depois, entregava no Galeão os oito subversivos, que foram jogados
no mar, perto de Itaipu. Carimbaram em cima da lista que lhe haviam
dado: "Recebido".
Artigo
do escritor Carlos Heitor Cony. Publicado hoje na Folha.
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