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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A árvore da chatice



Terrence Malick, cineasta estadunidense de apenas seis filmes, comeu o fruto da pretensão e cuspiu a semente do tédio. Sua última obra, A árvore da vida (The Tree of Life), é um porre monumental, apesar disso logrou abiscoitar o prêmio Palma de Ouro, no festival de Cannes de 2011.

O argumento é minimalista, não chega a narrar uma história, gira em torno de um pai repressor que descarrega suas tantas e variadas frustações sobre a mulher e os três filhos homens. O autor fica os 140 minutos do filme reiterando a condição repressiva do pai, vivido por Brad Pitt, só há interrupção quando se projetam imagens que querem representar o Big Bang, um caleidoscópio de formas coloridas e cambiantes sob fundo musical erudito. Da explosão primordial há um pulo para a era Mesozóica, na idade dos dinossauros, aí a coisa resvala para o ridículo. 

Imaginemos, agora, a hipótese de uma oficina de cinema cujos alunos fossem, por exemplo, Silvio Berlusconi e José Serra, dois reconhecidos cascas-grossas e incultos, condições impróprias para quem quer dirigir cinema. Pois a cena do dinossauro adulto pisando na cara do filhote, que já estava estendido no chão de pedras, é de um primarismo digno de Berlusca ou de Serra, tanto mais se o autor quer alegorizar o pai repressor protagonista do filme. Malick não fica sequer encabulado quando força a barra ao promover a antropomorfização de dinossauros, mas vai além: faz uma  pirueta alegórica que deixaria um casca-grossa qualquer corado de vergonha.

O diretor – dizem – teria feito um “filme religioso”. Não penso assim, porque o filme não tem nenhum caráter. Citar a Bíblia a todo o momento não realiza um “filme religioso”. Ele sugere o Big Bang em vários trechos recorrentes e aborrecidos, mas não se trata de um filme evolucionista, nem cientificista ou materialista. Tudo é uma grande confusão de signos e citações culturais sem nenhuma responsabilidade com o significado e a articulação dos nexos. Aliás, o filme de Malick é esquecido de significado. Com isso assume ares de hermetismo dissimulado, quando – rigorosamente – está prenhe de vazio.      
    
É um filme metido a "cabeção", mas especula tanto sobre filosofia e conceitos quanto os aluninhos de um grupo escolar.  

Falta criatividade ao roteiro (escrito pelo próprio Terrence Malick), que não consegue sair do círculo de ferro a que se impôs, sabe-se lá por qual motivo.

Para Malick, a criatividade é um pássaro sem asas. 

O singular elemento que se destaca positivamente é a câmera do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki: ágil, especulativa, voluntariamente procurando criar um clima de mistério e tensão, mas que é frustrada pela mão censora do diretor Malick, que como não tem história a ser contada, aborta a obra transformando-a numa salada de significantes em busca de conceitos que nunca chegam. 
     
O resultado é de um pedantismo monumental. 

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P.S.: Enquanto assistia ao filme do Malick, no domingo, eu pensava, isso está me cheirando a “2001, uma odisséia no espaço” (1968), do genial Stanley Kubrick, mas um ‘2001’ falquejado a canivete sem fio.

Hoje (terça, 16/8), li uma crítica do equilibrado Luiz Carlos Merten, publicada no Estadão em 17 de maio passado. Merten diz o seguinte, entre outras coisas até elogiosas ao diretor Malick: “Por mais impressionante que seja ‘A Árvore da Vida’, a sensação é de um Stanley Kubrick de segunda mão”.

Ah!, segundo o Merten, que estava em Cannes, quando o filme ganhou a Palma de Ouro, por ocasião da apresentação do "A Árvore da Vida", no final ouviram-se muitas vaias, poucos aplausos, e abafados. 

7 comentários:

Pablo disse...

O filme é uma obra de arte.

Guima disse...

excelnte, Feil, o filme é um porrão

Anônimo disse...

Rá, rá, rá, essa crítica foi ótima. A cena do dinossauro foi isso mesmo. Mas eu gostei muito da atuação do menino, essas crianças estadunidenses são ótimos atores, acho impressionante. Essa é a vida daquele povo que nasceu no Texas e hoje tem mais ou menos a idade do Sean Pen, todo mundo muito reprimido, muito religioso, um negócio esquisito pra caramba. São eles hoje que apoiam o Tea Party, um bando de fascistas. Me lembrei daquele filme "Fita Branca", mas que era um filme muito bom. Quem sabe esse filme ai não abre o coração desses bárbaros Texanos e eles se lembram de algum momento bom na infância, algum valor que seja.

Peralta disse...

Tóia,
Gostei da crítica, pela análise correta da estrutura do filme e, seu contéudo, acho que ele tentou um Tarkoviski moderno, mexer com o nossos sentidos, atráves da irritação, a única diferença é que Tarkoviski apresentava sempre um filme maravilhoso após abrir os nossos sentidos. "Fita Branca" é bem superior, para ficarmos na mesma temática, uma narrativa mais intensa e compreensível, mesmo apresentando nuances e coisas sentidas e, não mostradas.
Peralta

Liane Souza disse...

Caro Pablo,
Esta "obra de arte" é daquelas que precisa ser explicada pelo artista.
No meu entendimento arte é boa ou ruim. Esta nem arte é, porque é horrível.

Anônimo disse...

Parabéns, Cristóvão, mais uma vez, pelo seu singular blogue.

Gostava de saber a sua opinião sobre "Melancolia" do Lars von Trier.

Abraços,

Plínio
Santos, SP

Cristóvão Feil disse...

Caro Plínio, ainda não tive oportunidade de assistir ao filme do Trier (declaradamente admirador do nazismo). Quando o fizer, posto algum comentário.

Abç.

CF

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