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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Para entender o Brasil, hoje. Uma leitura indispensável


O poder dos donos


A demissão do ministro Palocci desvela os prodígios do transformismo dos donos do poder. Entre mortos, afogados e defenestrados, sobrevive impávida a estrutura do poder real, aquele contubérnio entre o dinheiro, a mídia e a política, cujas entranhas, costuradas no golpe de 1964, foram rasgadas no documentário Cidadão Boilensen.


Os poderes dos donos mandam e desmandam, reforçados agora pela presença dos yuppies cosmopolitas da finança globalizada. A grande inovação dos modos contemporâneos, além da internet, do celular e do iPad, é soft power. Nos subterrâneos onde são transacionadas as mercadorias entre o poder político e o poder econômico já não se ouve, felizmente, o grito dos torturados, mas os sussurros das mesas de operação das grandes empresas privadas. (financeiras e não financeiras).


As burocracias do Estado são convidadas a mediar a concorrência entre os grupos e instadas a escolher ad hoc as regras a serem aplicadas. Governo após governo mudam os rumos, mas sobrevivem os métodos. Há que admirar o requinte dos poderosos nos cuidados de patrocinar e preservar o sistema de relações perigosas entre o público e o privado.


A vulnerabilidade do Estado brasileiro não decorre de sua incompetência, como pretende a vulgata liberal, mas de sua importância na “administração” dos mercados. Não só no Brasil, mas em todas as partes são notórias as dificuldades de escapar à força dos interesses particularistas e de fixar políticas em nome do interesse geral. No livro The American Empire and the Political Economy of Global Finance, o cientista político Leo Panich rejeita a dicotomia Estado versus Mercado e aponta “as complexas interrelações entre as carreiras e os interesses públicos e privados como a essência das relações entre o Estado e o Mercado”.


O peso político das classes proprietárias na representação parlamentar e na máquina do Executivo promove sistematicamente a distribuição de favores entre os competidores. As relações viciadas entre Estado e os privados fomentam a busca de vantagens e privilégios. As agências públicas se envolvem no “jogo das regras”, sempre empenhadas em contemplar os velhos interesses e dar guarida aos novos setores que buscam o amparo das políticas “públicas”.


Os estudos internacionais sobre o tema mostram que o Estado transformou-se numa arena em que se digladiam os grandes interesses e corre grana à vontade para financiar candidatos favoráveis à consecução de objetivos dos grandes grupos privados.


Não por acaso os cidadãos de todas as partes estão sempre sobressaltados diante da iminência de serem abalroados por uma sucessão de paradoxos. Nos Estados Unidos, por exemplo, as inovações dos mercados financeiros não teriam avançado sem a prestimosa colaboração dos republicanos Reagan e Bushs I e II, mais o democrata Clinton. Com o auxílio deles, Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo.


A independência moral e política se esvai nas eleições, cada vez mais caras. Por isso, ninguém foi capaz, até agora, de propor o óbvio: aprovar uma lei de financiamento público das campanhas eleitorais, condição mínima para que seja instaurado por aqui um regime parecido com a democracia. Há quem torça o nariz para a ideia do financiamento público exclusivo. Os adversários argumentam com a escassez de recursos diante de prioridades mais prioritárias. Escuto meus botões: o que poderia ser mais importante numa sociedade que se pretende democrática e republicana do que a qualidade da representação popular e a igualdade de condições na disputa eleitoral?


Mais do que isso: as normas do mercado passaram a ditar as regras da vida política. No Brasil de hoje, essa lógica fatal vem contaminando as instâncias decisivas do poder estatal. O sistema partidário e o financiamento das campanhas eleitorais parecem ter sido engendrados com o propósito de transformar o Congresso num mercado de balcão, no qual os gritos de “compro” e “vendo” tornam ridícula a hipocrisia dos discursos moralistas dos plenários.


O arbítrio, o favorecimento, o segredo, a obscuridade e o nepotismo eram os demônios que os valores da República restaurada em 1985 pretendiam exorcizar. Pois os curupiras da Pátria Amada estão aí, livres e folgazões, gargalhando sobre as nossas incríveis esperanças.


Ao contrário do que se divulga, os senhores não se tornaram menos ferozes. Aprenderam a usar métodos mais sutis e eficientes para torturar coletivamente os cidadãos com as técnicas da desinformação, do massacre ideológico e da “espetacularização” da política. É uma questão menor saber se a corrupção no governo A é maior do que a no governo B.


Artigo do economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo. Publicado na revista semanal CartaCapital nº 650, nas bancas nesta semana.

Fotografia de Adriana Campelo

12 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

O exclusivo financiamento público de campanha é fundamental para um Brasil melhor e decente. Resta saber se o partido que está no poder tem interesse em modificar algo que o beneficia.

Anônimo disse...

Sobre a violência da copa

http://megaeventos.ning.com/

Eugênio

Anônimo disse...

"Ao contrário do que se divulga, os senhores não se tornaram menos ferozes. Aprenderam a usar métodos mais sutis e eficientes para torturar coletivamente os cidadãos com as técnicas da desinformação, do massacre ideológico e da “espetacularização” da política. É uma questão menor saber se a corrupção no governo A é maior do que a no governo B."

http://megaeventos.ning.com/video/remocao-vila-chocolatao-em

Foda é pensar q essas famílias poderiam muito bem ser a família do Lula dos velhos tempos. Como os "novos senhores" esquecem rápido seu passado, se deixam dominar pela vaidade e embarcam nessa "lógica" da política como espetáculo. Um espetáculo de mega eventos q exclui da sua cenografia os pobres, os deserdados da sorte. Afinal, segundo essa "lógica", tudo deve estar impecável para vivermos a ilusão d q agora somos uma "potência", capaz de montar esses circos grotescos e tenebrosos. Como picadeiro ñ tem tapete, para baixo do qual os miseráveis possam ser varridos, eles devem ser tirados debaixo da lona a qualquer custo.

Eugênio

Gustavo Guglielmi disse...

Não é sobre a Copa que o Belluzzo fala, seu Eugênio. É muito pior que Copa e Olimpíadas. Se trata de termos um Estado pautado pelo "poder dos donos". Esse é o ponto. A Copa é uma decorrência dessa dominação dos mercados sobre o Estado.
Falar em Copa nessa hora é desviar o assunto para outra direção e não querer enxergar a crueza da realidade. Temos um governo mesmo de esquerda, mas que está comprometido com a pauta dos grandes capitais.
É isso, seu Eugênio.

Anônimo disse...

Como diz o Olivio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul:
é preciso desprivatizar o Estado.

zé bronquinha disse...

Em regra os partidos de esquerda qdo. nascem, constróem programas completos, balizam as táticas adequadas, reafirmam suas estratégias e dizem o que querem, lá no final, o que fazer com o Estado sob seu comando.Dizem inclusive que atuarão dentro da ordem para alterá-la (ação contra a ordem).Todavia, a experiência nos conta, que, com raras excessões, os indivíduos que decidiram sobre essas idéias programáticas, fazem tudo diferente quando estão no comando de alguma fração do poder (governo) burguês. Começam a experimentar um outro "status quo", adentram um mundo de facilidades, de puxassaquismos e que lhes encanta profundamente. Até mesmo os mais reticentes a entrar neste novo mundo acabam por ceder boa parte de suas convicções a essa nova realidade, incluindo aí defesas do indefensável (código florestal).Como consequência temos uma casta ascendendo social, política e economicamente em detrimento a miséria alheia.E como produto final a degeneração dos grande ee médios partidos de esquerda.

Anônimo disse...

A Carta Capital esta ficando cada vez mais previsível...Lúcia Medeiros

Anônimo disse...

Gustavo

É óbvio q ñ é sobre a copa q o Belluzzo fala. Mas se aplica. Tanto q destaquei exatamente o parágrafo da espetacularização da política, q o episódio da copa ilustra muito bem. Ñ acho q falar em copa nessa hora seja desviar a atenção do problema maior q é a dominação do estado pelos mercados. A copa é exatamente um exemplo acabado disso e pode provocar efeitos catastróficos na economia. Vide a Grécia. Além do q, pelo açodamento como as coisas estão sendo feitas, o estado abre mão do seu papel regulador e fiscalizador, para atender as duvidosas demandas desse evento. A copa é só mais um sintoma desse "desfuncionamento da república" e da rendição dos chamados partidos progressista a uma "lógica" estranha as teses q eles defendem ou, pelo menos, deveriam defender. O Palocci é outro bom exemplo.
A direita perde as eleições, mas deixa os resíduos tóxicos d suas "idéias" q acabam por contaminar até mesmo quem deveria estar vacinado contra elas.
Acho q o Zé Bronquinha pegou o espírito da coisa no seu comentário. Estamos caminhando para uma perigosa mesmisse na política, q será devastadora para o campo progressista.

Eugênio

Anônimo disse...

Leiam o artigo do Emir Sader na Carta Maior sobre neoliberalismo X pós-neoliberalismo. No mínimo forçou a barra! Diante do que expõe o Belluzo, é possível falar em pós-neoliberalismo, tenho grandes dúvidas?

Anônimo disse...

O capitalismo tem que reinventar a cada momento e, infelizmente, nossa esquerda no poder ajuda alegremente nessa tarefa, com a desculpa de que revolução, socialismo e dignidade é coisa do passado.
Como diz, Luíz Cláudio Cunha é preciso "precisamos lembrar, devemos contar".

armando do prado

Pablo Vilarnovo disse...

Ainda não aprenderam que mercado não define nada. As normas de mercado funcionam independentes das pessoas e seus intereses. Mercado não tem dono. Mercado não tem a menor capacidade de definir ou ditar regras políticas.

Mercado define preço. Só isso.

As pessoas que são corporativistas e corruptas. Em qualquer sistema. Seja capitalista ou socialista.

Anônimo disse...

Estou chegando a conclusão que o melhor partido para dar continuidade ao sistema capitalista no Brasil atual é por incrivel que pareça o PT. Eles servem de amortecedor e de pelego. Não fosse o PT no governo o que está ocorrendo na Grécia e na Espanha estaria ocorrendo aqui no Brasil em larga escala. E claro com o PT a frente. Eles não vão por em risco as suas "boquinhas".

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