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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O vento minuano e o mercado do frio no RS


Nos últimos anos, cada vez mais se fala em neve no Rio Grande do Sul, nos meses de inverno – de junho a agosto. Invoca-se o que é faltante - os flocos de neve, abundantes, cadentes, fartos e inexoráveis. Parece que há uma aliança comercial entre setores da imprensa, meteorologistas de espetáculo, hoteleiros oportunistas e área do turismo da Serra guasca. Objetivo: iludir e captar incautos de classe média para os seus estabelecimentos pega-ratão.


Por trás dessas ações publicitárias há a tentativa de criar um mercado do frio no estado mais meridional do Brasil. Esse mercado teria como suporte (palavra do jargão publicitário) o mito da neve, e se sustentaria na indução ao consumo de bens e serviços em torno de alimentação, bebidas, hotelaria e comércio de vestuário voltados para mitigar o rigor das baixas temperaturas.


A estratégia é pobre e se baseia no alarme semanal sobre a iminência de frio intenso e neve, mas como nada foi combinado com São Pedro, este frustra os alarmistas. De qualquer forma, pela insistência, acabam depositando expectativas positivas no incipiente imaginário da classe média ingênua. Criam-se assim justapostas camadas de material favorável para que um mito fique de pé, pelo menos enquanto durar o inverno.


Enquanto isso, os verdadeiros agentes do frio sulino, os ventos minuano e pampeiro permanecem no limbo do nosso esquecimento. O minuano é um vento forte, constante e cortante. Ele sopra desde o oceano Pacífico, passa pela cordilheira dos Andes e assobia rasante os campos e coxilhas do pampa guasca. O pampeiro é um vento Polar, que sopra do corredor territorial entre o oceano Atlântico e a cordilheira chilena. Enquanto o minuano é um vento extremamente seco e varredor de nuvens escuras (ver foto), o pampeiro é trazedor de umidade associada ao frio, temporais e mau tempo prolongado.


O Rio Grande do Sul não constitui somente a fronteira nacional mais ao sul do Brasil, é antes de tudo, e para bem além da geopolítica, uma fronteira climática entre o trópico e o subtrópico, entre as correntes quentes do Equador e os ares glaciais do polo austral. Neste rincão, onde o vento redomão investe contra as correntes amenas do trópico, criando conflitos e inquietudes naturais, os homens e mulheres aprenderam que o estabelecido não pode ser motivo de resignação e acomodamento. As insurreições naturais foram constantes inspiradoras de levantes políticos de prolongados embates. Vários escritores e autores sulinos – Érico Veríssimo e Simões Lopes Neto, por exemplo - narraram o fenômeno que mimetiza a natureza em ações coletivas de grande significado histórico, político e social.


Nota-se, pois, que o tema é vasto, culturalmente rico e de grande valor poético-literário. Por esse motivo não pode ser reduzido a uma prostituída estratégia publicitária para granjear simpatia junto a consumidores tão ingênuos quanto ignorantes.


P.S.: Hoje em Porto Alegre, de resto no Rio Grande todo, está soprando um minuano inclemente, que faz escabelar os bigodes de quem os têm.

12 comentários:

José Renato Moura disse...

Acho que foi sábado que o boletim da RBS informou que nevou 45 segundos em uma cidade da Serra Báh Bota neve nisso

Ibiekos disse...

Ontem nevou aqui em Herval, e em Piratini e muito provavelmente em todas as cidades dos arredores. Concordo que a mídia porca tenha criado essa loucura no norte do estado pela neve, mas, não existe lugar mais bonito no mundo do que esta pampa, e eu prefiro que não descubram, porque se descobrirem vão destruir...

Simch disse...

Essa imprensa é formada de macaquitos que querem imitar a Europa. Eles não pensam na singularidade do RS, mas em estéticas de filmes, de outros países.
O RGS é bonito e particular por si só, não precisa de neve nem da ajuda de promoções como as de Gramado e de Canela, que decaracterizam a região, promovem especulação imobiliária e altos preços para os moradores dessas cidades. Tudo é mais caro em Gramado por causa da febre do turismo.

zé bronquinha disse...

Dia desses uma dessas emissoras de TV mostrou turistas na "bela" e empastelada Gramado tirando fotos, tendo no fundo uma paisagem cenográfica e com neve artificial caindo. Isto é.Te fazem crer que neve é tanto parte de nossa realidade, que nos raros momentos de inverno em que ela falta, eles dispõe de um estoque para as fotografias.

gustavo disse...

sim, Bronquinha, eu também vi isso sem acreditar. Quer dizer, tudo é falso e postiço na jogada essa, o negócio é enganar os trouxas e embolsar algum.

cazé disse...

Ontem no Fantástico eles mostraram os truques para enganar os bobos nos parques de diversão. A próxima etapa deve denunciar as ilusões desses lugares maravilhosos da "Cerra gaúcha".

MGraça disse...

Muito bom !!
As cidades cenográficas serranas e seus alegres habitantes flutuantes...
Passam o ano juntando para um findi de fachada.
Souvenirs, lembrancinhas ...ehe vida de gado, povo marcado , povo feliz!

giovani montagner disse...

fora o mito de cidade bonita, mas para quem? lembro bem deles expulsando moradores indesejados.
sua arquitetura é uma cópia da antiga arquitetura européia, um pastiche, explicado, talvez, pela euforia de novo rico ou uma forma de banzo contemporâneo.

Anônimo disse...

Não diz bobagem, ô imigrante!

"As massas de ar do Pacífico não exercem influência sobre o Brasil por causa do relevo alto dos dobramentos modernos dos Andes.
A massa polar, por causa do relevo, se ramifica em massa Polar Pacífica e a Atlântica; esta, por sua vez, divide-se em três ramos: um vai pelo litoral oriental (tornando-o úmido com chuvas frontais, no encontro com a mTa e formando a Fpa, ou frente polar atlântica, a muito conhecida frente fria); outro ramo avança pela bacia fluvial do Paraná até S. Paulo, ocasionando no inverno geadas no sul, neve na Serra Gaúcha e Planalto Catarinense e os famosos ventos frios gaúchos denominados pampeiro e minuano); o terceiro ramo da massa polar atlântica segue pela calha da Bacia do Paraguai e terras baixas da Planície do Pantanal chegando, às vezes, ao sul da Amazônia e provocando a “friagem”."

Cláudio Tornaghi

Luiz Henrique Rauber Rodrigues disse...

pois é... enquanto em Gramado tava 0º... em Santiago bateu -3... mas enfim... melhor que não inflanciona o mercado dos pampas não judiando muito do meu bolso :D
mas q é uma lástima é... seria uma cena interessante um baiano tremendo de frio enquando toca uma gaita num costelão de ovelha :D

daniela disse...

Gostaria de saber a quem pertencem os grandes empreendimentos imobiliarios da região das hortências... os grandes hotéis... por que têm tanto espaço nos noticiários?... tudo cheira muito mal, apesar dos aromas artificias de cravo e canela...

Anônimo disse...

No agosto passado minha mãe faleceu e eu cuidei muito do frio por causa dela...esse ano esta fazendo mais frio que no ano passado e eu tenho certeza disso!Não é marketing, não , é frio mesmo! Lúcia Medeiros

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