O cinismo e a brutalidade no lugar da política
Achei o filme “Operação Valquíria” um desperdício. A história é ótima, de resto baseada em fatos reais ocorridos em meados de 1944 na Alemanha nazi. Ele oculta, ou não soube tratar devidamente, várias informações importantes. Exemplo: o coronel Stauffenberg – vivido por Tom Cruise – já havia tentado uma conspiração contra Hitler em 1942. Seria preciso contar isso no roteiro para não ficar parecendo que se tratava de um bando de covardes que vendo a derrota alemã próxima buscam abreviar o hitlerismo eliminando o chefe. Não é nada disso, a coisa é bem mais complexa e espessa.
Adolf Hitler, a rigor, nunca foi muito tolerado pela velha nobreza alemã, do qual se originam muitos conspiradores da Valquíria, Stauffenberg carregava o título de conde, bem como inúmeros companheiros seus, todos com “Von” no nome. Marcuse, contratado pelos norte-americanos, para estudar sobre o fenômeno do nazismo alemão, chegou a abordar essa difícil convivência entre a tradicional nobreza germânica e a ascensional classe média, base privilegiada do discurso nacional-socialista (nazi), especialmente do neurótico cabo Adolf, que nem era alemão. Só essa linha histórico-causal, se perseguida pelo filme de Bryan Singer, já daria mais densidade à refilmagem de 2008. Sem ela, a narrativa fica plana e dependente apenas do ritmo e da tensão da conspiração em si.
Outro dado importante que o filme torna irrelevante é o fato de Claus von Stauffenberg ser apenas um coronel. Na verticalizada e rígida hierarquia militar nazi, jamais um coronel iria determinar ordens a um general – como ocorreu na Valquíria. Isso mostra o quanto os conspiradores estavam imbuídos do espírito de subversão à ordem constituída
A Valquíria foi – rigorosamente – um golpe de Estado. O roteiro se permite, neste caso, mostrar um pouco mais a discussão entre os conspiradores sobre os procedimentos para o sucesso do plano golpista. É neste ponto que um dos generais informa aos seus camaradas sobre os limites daquele planejamento: “Lembrem-se que isso é dirigido por militares e portanto nada sairá como está planejado”.
A idéia do golpe era genial, por ser muito simples. Assassinar Hitler, através de um atentado à bomba (exatamente o 42º e último atentado sofrido pelo Führer contra a sua vida) e depois acionar um plano do Estado Maior chamado “Valquíria” (em homenagem ao compositor Richard Wagner) para o caso de ataque dos aliados contra Berlim. O que era um plano de defesa do hitlerismo acabaria se transformando num artifício de ataque-defesa contra Hitler e dois ou três de seus mais fiéis generais, Himmler, Goering, Goebbels, etc. Vê-se a carência do instrumental político no meio militar, o despreparo para lidar politicamente com o pós-regime. Nesta hora, a narrativa vai muito bem mostrando a vacilação dos comandos intermediários para ver que lado é mais conveniente ficar – se do lado oficial, ou se do lado dos conspiradores. É aí que Goebbels chega a colocar uma cápsula de veneno na boca, temendo ser preso pelos golpistas.
Preso todos os conspiradores, naquela noite mesmo foram fuzilados a bem do Estado nacional-socialista e a glória do povo alemão – que nunca veio, pelo menos das mãos dos nazistas.
Os estudos de Marcuse mostram o quanto o regime nazi tornou plástica a vontade do povo alemão. O hitlerismo é uma tecnologia que ousou substituir a moral alemã. Substituiu os mitos populares e os ideais por fatos – “um mundo de factualidade bruta sem espaço nem tempo para ideais”. O cinismo e a brutalidade no lugar da política.
Só assim para “compreender” este pequeno e cruel trecho do diário de um soldado alemão na frente russa:
“Fico surpreso em não me sentir mais afetado por ver uma mulher sendo enforcada. Até me entreteve. Passei o aniversário desencavando corpos e desfigurando seus rostos. Minha namorada vai dizer ‘sim’ quando ouvir falar sobre como enforquei uma russa hoje”.
Marcuse também mostra que esse fenômeno pode se repetir na história, e que não basta uma conspiração Valquíria de nobres-burgueses com dor na consciência para impedir a vitória do mal absoluto.
Achei o filme “Operação Valquíria” um desperdício. A história é ótima, de resto baseada em fatos reais ocorridos em meados de 1944 na Alemanha nazi. Ele oculta, ou não soube tratar devidamente, várias informações importantes. Exemplo: o coronel Stauffenberg – vivido por Tom Cruise – já havia tentado uma conspiração contra Hitler em 1942. Seria preciso contar isso no roteiro para não ficar parecendo que se tratava de um bando de covardes que vendo a derrota alemã próxima buscam abreviar o hitlerismo eliminando o chefe. Não é nada disso, a coisa é bem mais complexa e espessa.
Adolf Hitler, a rigor, nunca foi muito tolerado pela velha nobreza alemã, do qual se originam muitos conspiradores da Valquíria, Stauffenberg carregava o título de conde, bem como inúmeros companheiros seus, todos com “Von” no nome. Marcuse, contratado pelos norte-americanos, para estudar sobre o fenômeno do nazismo alemão, chegou a abordar essa difícil convivência entre a tradicional nobreza germânica e a ascensional classe média, base privilegiada do discurso nacional-socialista (nazi), especialmente do neurótico cabo Adolf, que nem era alemão. Só essa linha histórico-causal, se perseguida pelo filme de Bryan Singer, já daria mais densidade à refilmagem de 2008. Sem ela, a narrativa fica plana e dependente apenas do ritmo e da tensão da conspiração em si.
Outro dado importante que o filme torna irrelevante é o fato de Claus von Stauffenberg ser apenas um coronel. Na verticalizada e rígida hierarquia militar nazi, jamais um coronel iria determinar ordens a um general – como ocorreu na Valquíria. Isso mostra o quanto os conspiradores estavam imbuídos do espírito de subversão à ordem constituída
A Valquíria foi – rigorosamente – um golpe de Estado. O roteiro se permite, neste caso, mostrar um pouco mais a discussão entre os conspiradores sobre os procedimentos para o sucesso do plano golpista. É neste ponto que um dos generais informa aos seus camaradas sobre os limites daquele planejamento: “Lembrem-se que isso é dirigido por militares e portanto nada sairá como está planejado”.
A idéia do golpe era genial, por ser muito simples. Assassinar Hitler, através de um atentado à bomba (exatamente o 42º e último atentado sofrido pelo Führer contra a sua vida) e depois acionar um plano do Estado Maior chamado “Valquíria” (em homenagem ao compositor Richard Wagner) para o caso de ataque dos aliados contra Berlim. O que era um plano de defesa do hitlerismo acabaria se transformando num artifício de ataque-defesa contra Hitler e dois ou três de seus mais fiéis generais, Himmler, Goering, Goebbels, etc. Vê-se a carência do instrumental político no meio militar, o despreparo para lidar politicamente com o pós-regime. Nesta hora, a narrativa vai muito bem mostrando a vacilação dos comandos intermediários para ver que lado é mais conveniente ficar – se do lado oficial, ou se do lado dos conspiradores. É aí que Goebbels chega a colocar uma cápsula de veneno na boca, temendo ser preso pelos golpistas.
Preso todos os conspiradores, naquela noite mesmo foram fuzilados a bem do Estado nacional-socialista e a glória do povo alemão – que nunca veio, pelo menos das mãos dos nazistas.
Os estudos de Marcuse mostram o quanto o regime nazi tornou plástica a vontade do povo alemão. O hitlerismo é uma tecnologia que ousou substituir a moral alemã. Substituiu os mitos populares e os ideais por fatos – “um mundo de factualidade bruta sem espaço nem tempo para ideais”. O cinismo e a brutalidade no lugar da política.
Só assim para “compreender” este pequeno e cruel trecho do diário de um soldado alemão na frente russa:
“Fico surpreso em não me sentir mais afetado por ver uma mulher sendo enforcada. Até me entreteve. Passei o aniversário desencavando corpos e desfigurando seus rostos. Minha namorada vai dizer ‘sim’ quando ouvir falar sobre como enforquei uma russa hoje”.
Marcuse também mostra que esse fenômeno pode se repetir na história, e que não basta uma conspiração Valquíria de nobres-burgueses com dor na consciência para impedir a vitória do mal absoluto.
3 comentários:
Parabens!
Exelente. É isso aí mesmo.
Carlos
O cinismo como arma política substitui a razão, ou melhor, estabelece em seu lugar a razão cínica. Lembremo-nos do Gilmar Mendes, o cínico por excelência.
armando
"FICO SURPRESO EM NÃO ME SENTIR MAIS AFETADO..."E COMO DIRIA O GUIMARÃES ROSA:"E O HORROR,ANTE NASAL,DE MIM À PALMO..."E quanto a escolher o Tom Cruise p'rum papel ,já foi um erro primário.
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