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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A desvalorização do valor


A qualquer momento deixa de valer a pena entulhar o mundo com mercadorias

O capitalismo não é outra coisa senão a incessante "valorização do valor", aparecendo como um fim-em-si-mesmo de transformar dinheiro em mais dinheiro. Onde está o valor? Segundo Marx, no "trabalho abstrato" representado nas mercadorias, na massa de "nervo, músculo e cérebro" gastos no processo de produção. Mas apenas é válido o trabalho que corresponde ao standard de produtividade. O qual é medido pelo mercado e pela "muda coerção da concorrência" (Marx) nele dominante. No mercado mundial, à falta de outra medida, impõe-se o nível mais alto de produtividade dos países capitalistas centrais.

Os países periféricos só podem manter a sua força de trabalho através de brutais vendas em liquidação, quando muito. Sob estas condições, o trabalho de milhares de trabalhadores chineses mal pagos não é maior como produto válido do valor que o de um trabalhador ocidental high tech. Pelo que não passa de uma ilusão de ótica pensar que o emprego massivo de trabalho barato na China, na Índia, etc., haveria de puxar para cima o produto global de valor na mesma escala. Na terceira revolução industrial o standard da produtividade foi levantado cada vez mais alto. Porém, quanto mais alta a produtividade, tanto menor a quantidade válida de trabalho representada por cada mercadoria individual e portanto menor o valor desta.

Aqui se manifesta a autocontradição lógica do capitalismo: por um lado a sua finalidade continua a ser a infindável acumulação de valor, por outro lado ele próprio achatava progressivamente a substância do valor. Historicamente esta contradição foi compensada pela expansão capitalista: quanto menor o valor de cada mercadoria, tanto mais mercadorias tinham que ser produzidas e vendidas. Mas já está estabelecido um limite interno lógico. A qualquer momento deixa de valer a pena entulhar o mundo com mercadorias. Juntamente com a substância do valor cai também o poder de compra, que é apenas um momento daquela.

Na terceira revolução industrial, a equação já não dá certo: ao desemprego global em massa corresponde a desvalorização interna das mercadorias. Com uma dose de substância do valor tornada homeopática os produtos já são autenticamente apenas bens naturais; pelo que já só artificialmente podem ser forçados à forma do preço em dinheiro. O dinheiro, porém, como "equivalente geral" não é senão a mercadoria escolhida para rei. Em última instância, a função do dinheiro como "meio de conservação do valor" exige uma substância de valor própria.

Historicamente foram os metais nobres os promovidos a esta função, porque representavam "trabalho abstrato" de modo particularmente condensado. Mas apesar da acelerada circulação do dinheiro, já nem todo o ouro do mundo poderia representar a crescente massa de mercadorias.
No século 20 o dinheiro foi desacoplado da substância do valor dos metais nobres; a última cnexão foi rompida em 1973, quando se cortou a ligação ao ouro do dinheiro mundial dólar. A garantia apenas jurídico-estatal do dinheiro ficou porém frágil. Daí as crescentes inflações e crises do dinheiro e da moeda. Atrás do dólar está hoje apenas a máquina militar dos EUA; atrás do euro não há nada; em todo o caso a maioria das outras moedas já caiu.
A ameaça de uma grande crise monetária mundial não vem da concorrência entre o dólar e o euro, mas da dessubstancialização do dinheiro em geral. À desvalorização da força de trabalho corresponde a desvalorização das mercadorias e esta leva à desvalorização do dinheiro. Com isto, é a relação social fetichista da modernidade em geral que passa à disponibilidade.

Artigo de Robert Kurz (in DIE ENTWERTUNG DES WERTS em Neues Deutschland, publicado em 10.06.2005)

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É neste ponto em que estamos hoje. A crise de 2008 aparenta ser mais um colapso financeiro, mas não é. É, sim, uma crise do sistema produtor de mercadorias, uma brutal e global desvalorização do valor.

Jogar mais dinheiro no sistema, de resto, apenas papel pintado, nada mais que papel pintado, é o mesmo que querer apagar fogo com gasolina. Não vai dar certo.

21 comentários:

panoramix disse...

Espero que o diário gauche faça um cobertura em tempo real dos debates no fórum da liberdade que começa hoje 06/04 e certamente ajudarão a resolver esta crise causada pela nociva intervenção estatal na economia! Aos interessados:
http://www.forumdaliberdade.com.br/fl2009/inscricoes/

Anônimo disse...

Afinal descobriremos onde os governos erraram quando os luminares da liberdade-do-jeito-deles abrirem a boca.
Aliás, os trabalhadores nos esquecemos de lutar por liberdade e essa bandeira caiu na mão desses mercadores. Anda muito mal acompanhada e mal servida.

Clairton disse...

A tal liberdade desta gente é a liberdade para explorar o trabalho alheio. Ao que parece, como diz o professor Kurz, esta tal liberdade de explorar o trabalho alheio já não está dando o retorno que dava... Perfeita a afirmação de que "atrás do dólar está hoje apenas a máquina militar dos EUA", esta é uma das mais cristalinas verdades do mundo onde hoje vivemos.

Remindo disse...

Para o panoramix ler:
O Instituto de Estudos Empresariais, vem a defender as idéias neolioberais que causaram a crise a que se acham metidos os Estados Unidos, Inglaterra e afundados a Irlanda e a Islândia. Este mesmo Fórum que revelou ao Brasil um tal de Fernando Collor, em uma de suas primeiras edições. A liberdade que tanto prezam não é aquela do operário, do agricultor sem terra, do homem de cor. Odeiam os sindicatos dos trabalhadores e suas lideranças, o MST e sua luta, e as políticas de integração e oportunidades iguais aos brasileiros de cor. A liberdade que tanto querem é só para eles, para seus negócios sem o freio da da regularização e da lei. Caíram em cima do nosso querido presidente Lula, por ter se afastado da política econômica com os Estados Unidos, odeiam o Partido dos trabalhadorea, que além de trabalhadores negavam os benefícios da globalização. Erram feios estes senhores, se estamos nos arrabaldes da grande crise do capitalismo, foi pela visão de Luiz Inácio Lula da Silva e das esquerdas brasileiras. Senhor Rafael, assim como o muro de Berlim caiu em 1990, o muro do capitalismo dos (Wall Street), caiu no ano passado. E o Obama, vai comprar todos passivos falidos e haverá só uma impresa nos EUA, o próprio governo.

panoramix disse...

Remindo eu quero distância desta gente! O que coloquei acima foi uma desabafo, ou melhor uma ironia, pela cara de pau desta corja em ainda vir falar na "liberdade de mercado" depois de tudo que fizeram! Coincidentemente nossa querida governadora resolveu seduzir os prefeitos para seu projeto social exatamente hoje! Sera que ainda não sabem que estamos em um planeta que está derretendo graças as suas politicas?

Noiram disse...

Oportuno em ser assistido o breve documentário Ilha das Flores.

De forma ácida e com uma linguagem quase científica, o curta mostra como a economia gera relações desiguais entre os seres humanos.

O filme já foi acusado de "materialista" por ter, em uma de suas cartelas iniciais, a inscrição "Deus não existe". No entanto, o crítico Jean-Claude Bernardet (em "O Cinema no século", org. Ismail Xavier, Imago Editora, 1996) definiu Ilha das Flores como "um filme religioso" e a CNBB concedeu ao filme o Prêmio Margarida de Prata, como o "melhor filme brasileiro do ano" em 1990. Em 1995, Ilha das Flores foi eleito pela crítica européia como um dos 100 mais importantes curtas-metragens do século.

http://www.youtube.com/watch?v=Zfo4Uyf5sgg

http://www.youtube.com/watch?v=6IrGibVoBME

Remindo disse...

Desculpas, panoramix. Estava tão furiosso que não percebi a ironia. Li batido. Novamente, minhas desculpas

Anônimo disse...

O artigo é bom, mas não dava para fazer uma tradução melhor, em respeito à palavra?

"aparecendo como um fim-em-si-mesmo de transformar dinheiro em mais dinheiro"

"Pelo que não passa de uma ilusão de ótica pensar que o emprego massivo de trabalho barato na China, na Índia, etc., haveria de puxar para cima o produto global de valor na mesma escala."

"Com uma dose de substância do valor tornada homeopática os produtos já são autenticamente apenas bens naturais; pelo que já só artificialmente podem ser forçados à forma do preço em dinheiro."

"A garantia apenas jurídico-estatal do dinheiro ficou porém frágil."

edu disse...

Caro Feil,

Importantissimo reciocinio, apenas duas obsrvaçoes:

- moeda nenhuma no mundo se sustentou pela força de um exército, nem o dolar o farà;

- o euro tem um percentual em ouro, algo em torno de 40%, alem disso tem sua emissao controlada e declarada (M1), o dolar nao possui nenhum corrispectivo em ouro, nao tem emissao controlada e o banco central americano nao declara a massa monetaria em dolar (circulante) a mais de um ano.

Panoptico disse...

Cara, eu acho muito engraçado esses "esquerdões" virem aqui bater no neoliberalismo mas estarem mamando num governo dos mais promíscuos e adeptos do sistema(Lulla). Por favor, um pouquinho de coerência vai bem.

Ah! ainda defendem Dilma com alternativa.

Noiram disse...

Putz, é cada um que me aparece!

Anônimo disse...

Noiram,

Calma, o Panoptico só está querendo levar o cachorro quente dele...

Claudio Dode

Noiram disse...

Pois é Dode, parece que na próxima manifestação pró-desgovernadora vai ser algodão doce.

Nelson Antônio Fazenda disse...

Feil. Vale a pena ler a coluna do Juremir Machado da Silva no Correio do Povo de hoje, sobre o Fórum da Liberdade. É "um caminhão" de ironias muito bem colocadas, bem ao estilo dele.
O Juremir escreveu, entre outras coisas:
"Porto Alegre é demais. Não vive sem um bom anacronismo".
"Quem não se lembra, sobretudo, do sarcasmo dos modernos neoliberais? Como riam aqueles homens. Como tinham certezas. Como eram pragmáticos e seguros. Mas até os seguros se revelaram maus investimentos."
"Eu adoraria estar presente no Fórum da Liberdade para escutar as sessões de mea culpa. Imagino que todos tenham aproveitado para chicotear as costas em público e reconhecer os erros dos últimos 30 anos."
"Deve ter acontecido uma sessão inteira apenas para explicar em bom português os bônus pagos, nos Estados Unidos, com dinheiro público, para executivos que fracassaram em iniciativas privadas de pouco risco para eles e de muita vertigem para contribuintes e governos."
"Mas compareci ao local do evento para observar antropologicamente os personagens. Que seres estranhos! Pareciam saídos da máquina do tempo com seus ternos fashion, seus relógios de marca, suas ideias recém-vencidas e seus perfis ousados e inovadores com um cheiro fresquinho de intervenção estatal."

Repito. Vale a pena ler a íntegra da coluna.

Noiram disse...

DE DAVOS A DAVINHOS
por Juremir Machado da Silva

Porto Alegre é demais. Não vive sem um bom anacronismo. Já teve o seu tempo de Fórum Social Mundial. Quem não se lembra de todos aqueles bichos-grilos dizendo que outro mundo era possível? Quem não se lembra, sobretudo, do sarcasmo dos modernos neoliberais? Como riam aqueles homens. Como tinham certezas. Como eram pragmáticos e seguros. Mas até os seguros se revelaram maus investimentos. Porto Alegre é demais. Mantém-se fiel ao mais ideológico dos fóruns, o da liberdade, cujo mundo idealizado se tornou repentinamente impossível. Pena que não pude acompanhar de dentro. Eu adoraria estar presente no Fórum da Liberdade para escutar as sessões de mea culpa.
Imagino que todos tenham aproveitado para chicotear as costas em público e reconhecer os erros dos últimos 30 anos. A ideologia, sabemos, é cheia de astúcias. Tem mais astúcias do que a razão. Uma delas é considerar ideologia exclusivamente o pensamento dos outros. Essa é a grande astúcia da direita, que nem se chama de direita. As astúcias ideológicas, repito, estão por toda parte. Os adversários das cotas, por exemplo, em defesa de interesses particulares e de privilégios mantidos ao longo do tempo, recorrem a um universalismo abstrato como forma de tentar barrar uma necessidade muito concreta de reconhecimento das singularidades. Todo argumento é bom quando se trata de converter o particular em universal por conveniência.
O Fórum da Liberdade deu-se a liberdade de preconizar o Estado mínimo com o máximo de pretensão e uma gigantesca dose de minimalismo teórico. Deve ter acontecido uma sessão inteira apenas para explicar em bom português os bônus pagos, nos Estados Unidos, com dinheiro público, para executivos que fracassaram em iniciativas privadas de pouco risco para eles e de muita vertigem para contribuintes e governos. Como diz o outro, aqui se faz, aqui se paga. Com o dinheiro dos impostos. Haja impostos para pagar tudo o que foi feito e não pode ser desfeito para não romper contratos malfeitos. Eu perdi o melhor da festa. Queria tanto ter ouvido os ideólogos do neoliberalismo explicando o 'risco-Estados Unidos', a oferta de dinheiro do Luiz Inácio atrevido da Silva para o FMI, os bilhões saídos dos cofres públicos para salvar a lavoura neoliberal, as críticas de neoliberais de ontem à falta de regulamentação de hoje e, principalmente, teria amado ouvi-los comentar o retorno de Keynes, o economista desprezado na alta e suportado na baixa. É mais ou menos como a volta do Zorro e do Tonto. Que fazer sem eles? Sucumbir? O Zorro é o herói mascarado que evita a tragédia. Tem um preço. Tonto é o contribuinte.
Meu nome é Tonto. My name is Tonto. Je m’appelle Tonto. Não entrei para ouvir as conferências. Não existe almoço grátis. Nem ingresso. Mas compareci ao local do evento para observar antropologicamente os personagens. Que seres estranhos! Pareciam saídos da máquina do tempo com seus ternos fashion, seus relógios de marca, suas ideias recém-vencidas e seus perfis ousados e inovadores com um cheiro fresquinho de intervenção estatal. Confesso que senti medo. E se me pedissem contribuição para salvar o planeta, a GM, a Chrysler, a AIG e todo o sistema financeiro norte-americano? Eu daria uma sugestão: deixem quebrar! Mas cobraria por ela. Consultor é consultor. A vida é assim mesmo. Tem Danone e Danoninho, Davos e Davinhos. Porto Alegre é demais. Este é o Estado atual.

Cel disse...

Sugerimos aos 900 demitidos da Brasil Telecom que peçam emprego na Gamecorp, empresa do filho do Lula, que foi financiada com R$ 10 milhões pela Telemar e que, em seguida, teve ajuda do presidente da república, que mudou a legislação para que ela pudesse comprar justamente a BRT com dinheiro do BNDES. Assim, a Brasil Telecom virou Oi para os patrões e Tchau para os empregados. Não é a cara do Lula?

Anônimo disse...

Certa direita só sabe repetir a mesma cantilena...continuam com medo do Lula, porque ainda o associam à esquerda! Faltam-lhes competência até mesmo para compreender (ou tentar) uma análise econômica sobre um problema real e planetário, que atinge à todos.

Deviam procurar seus pares no Ternuma!
Daniel

Anônimo disse...

Ou que se dirijam para algum ato dos CC e CEls da Yeda e peguem um cachorro quente.

Claudio Dode

Anônimo disse...

Cel a tua cara é a do Detran, embora as vezes pareça o Banrisul; outras horas tu viajas e fica parecendo o Daer.

Mesmo muito amigo do chico tu pareces mais é com o Busatto.

Ruy disse...

Pois é Cel!

Cadê os "sindicalistas" que foram encher o saco da embraer ???

Como a OI é uma maracutaia do Lulla, os movimentos sociais terroristas estão todos 'quietinhos"..
vergonhoso !!!!!

Anônimo disse...

Bah,

Ruy, ou seja lá quem for, mas que confusão mental é esta de embraer misturada com Oi, movimentos sociais, terroristas.

Será que o míssil corano te atingiu?

Quanta biobagem junta

Claudio Dode

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