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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

domingo, 13 de janeiro de 2008


Faz sentido falar hoje de revolução?

Michael Löwy é considerado pelos pares um marxista insubordinado. Ele acredita no potencial libertário existente no marxismo, a despeito da aplicação burocrática e autoritária das teorias de Karl Marx pela malfadada experiência soviética. Além de visitar as idéias de Walter Benjamin e Georg Lukács, sua produção teórica perpassa as idéias de Max Weber, o que lhe rende restrições entre marxistas. Suas opiniões radicais, que atingem o próprio marxismo, criticado pela ausência de preocupação ecológica e pelas ilusões a respeito do papel do Estado, se harmonizam com a personalidade tolerante, avessa a rupturas inférteis. A entrevista abaixo foi publicada hoje no jornal conservador O Estado de S. Paulo.

OESP: Faz sentido falar hoje de revolução?

Michael Löwy: Não só faz sentido falar em revolução, como é mais do que presente a necessidade de transformação radical do sistema capitalista, responsável pela destruição acelerada dos equilíbrios ecológicos do planeta. A principal crítica ao conceito tradicional de revolução é que ele não era suficientemente radical: colocava em questão somente as relações de produção capitalistas. Em outras palavras, o significado da revolução está na mudança do paradigma civilizatório: o atual é insustentável. Não há garantia de que o mundo caminha para a revolução. Pelo caminho atual, chegará a uma catástrofe ecológica sem precedentes, que tem na mudança do clima a expressão mais dramática. A revolução é uma aposta, segundo Blaise Pascal, retomada por Lucien Goldmann, na qual o indivíduo joga a vida, correndo o risco de perder.

O comunismo ainda pode ser uma alternativa mundial à globalização?

O comunismo, definido por Marx e Engels como uma associação de seres humanos livres que trabalha com meios de produção comunitários, é a única alternativa radical, em escala planetária, à globalização capitalista. As grandes decisões sobre produção e consumo não podem ser deixadas em mãos de exploradores - como nas economias de mercado - ou de uma elite técnico-burocrática de planejadores. Elas devem ser adotadas democraticamente, depois de um debate livre e pluralista, pelo conjunto da população, em função das necessidades sociais e de critérios ecológicos. O principal limite da experiência soviética - que transformou a URSS numa gigantesca potência industrial - foi o caráter antidemocrático e o desprezo pelo meio ambiente.

A China é uma economia de mercado ou faz apenas uma experiência controlada do capitalismo?

Está havendo na China um processo de restauração do capitalismo, de forma mais controlada do que na URSS depois de 1991, mantendo um discurso cada vez menos socialista e um sistema político fechado, de partido único. Se existe um futuro socialista para a China, ele não resultará de seus dirigentes, cada vez mais integrados numa lógica de desenvolvimento capitalista. Ele virá da capacidade de os trabalhadores chineses da cidade e do campo se organizarem para lutar por seus interesses. Mas existem, dentro e fora do Partido Comunista Chinês, militantes e intelectuais que ainda pensam em termos marxistas e buscam uma alternativa à restauração capitalista em curso.

O Estado bolivariano de Hugo Chávez é uma experiência concreta de socialismo?

Estamos bem longe do comunismo na Venezuela. O projeto bolivariano de Hugo Chávez é um começo de ruptura com a dominação imperialista sobre o país e de uma significativa redistribuição social da renda petroleira. É o processo mais radical em curso atualmente na América Latina, acompanhado de perto pela Bolívia e pelo Equador. Chávez tem colocado a perspectiva de um socialismo do século 21, mas é cedo demais para falar de uma ruptura com o capital. Se a Venezuela tomará o caminho do socialismo, isso depende da mobilização das classes populares. O papel de Hugo Chávez na revolução bolivariana é indiscutível, mas a excessiva personalização do poder é um problema.

Qual o papel do Estado e da democracia na criação de alternativas ao capitalismo?

A democracia é decisiva em qualquer processo de criação de alternativas ao capitalismo: o que é socialismo, senão a extensão, de forma radical e sem concessões, da democracia no terreno econômico e social? Se a democracia política é a recusa de qualquer forma de poder autoritário, o que é a democracia econômica senão a abolição da tirania dos grandes proprietários de fábricas, bancos e terras? Mas a democracia não se limita ao Estado: ela deve se aplicar em todos os terrenos da vida política, econômica e social e no nível internacional.

Qual a urgência da Teologia da Libertação, quando o papa é Bento XVI, um combatente desse "cristianismo de esquerda"?

Uma coisa é o que se passa em Roma, no alto da pirâmide clerical da Igreja. Outra é o que se passa na base, aqui na América Latina, onde várias gerações de cristãos têm participado, a partir das comunidades de base e das pastorais populares, das lutas sociais e do combate por uma sociedade mais livre e igualitária. Antigamente se dizia na Igreja: Roma locuta, causa finita - Roma (o papa) falou, a discussão acabou. Agora não só os teólogos, mas centenas de milhares de militantes do cristianismo da libertação não abandonaram seus ideais, suas utopias e seu compromisso ativo com a luta dos oprimidos por emancipação. No Brasil, a presença dos cristãos em todos os movimentos sociais - a começar pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra (MST) - é decisiva. Não basta uma bula papal para mudar essa realidade.

Em que medida o sr. compartilha a percepção de Walter Benjamin de que o capitalismo é uma religião?

Em O Capital, Marx comparava o capitalismo a uma religião. As mercadorias são percebidas como ídolos, que têm vida própria e decidem o destino dos homens. Esse argumento foi utilizado pelos teólogos da libertação, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert, Jung Mo Sung, para desenvolver uma crítica radical do capitalismo como religião idólatra. A teologia do mercado, de Thomas Malthus ao último documento do Banco Mundial, é ferozmente sacrificial: exige que os pobres ofereçam suas vidas no altar dos ídolos econômicos. Walter Benjamin, ao escrever sobre isso em 1921, não havia lido O Capital. Ele se inspira no sociólogo Max Weber para analisar o caráter cultual do sistema. Na religião capitalista, a cada dia se vê a mobilização do sagrado, seja nos rituais na Bolsa, seja nas empresas, enquanto os adoradores seguem com angústia e extrema tensão a subida ou a descida das cotações. As práticas capitalistas não conhecem pausa, dominam a vida dos indivíduos da manhã à noite, da primavera ao inverno, do berço ao túmulo.

2 comentários:

Anônimo disse...

A questão da possibilidade da revolução passa pelo antagonismo entre o trabalho e o capital. Daí decorrem outras centenas de contradições que mantém o capital no fio da navalha. Assim, hoje o capital, além do monstruoso desperdício gerado, faz sua realização através do consumo e da destruição, ambos perversos para o pp. homem, para o meio ambiente e que gradativamente leva o capital para o beco sem saída. Vide a convivência "pacífica" da produção voltada para o consumo - China, India, etc, e as guerras concomitantes - Iraque, Afeganistão, etc.

armando

Anônimo disse...

O capitalismo já superou o estágio da mescadoria e agora nos faz viver sob a égide da marca, um conceito intangível e ñ material como a mercadoria, o que o deixa ainda mais próximo da religião.

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