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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

terça-feira, 16 de março de 2010

O mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos


Não podemos abdicar do papel da política

O professor Benjamin Barber não é nenhum ultra, ao contrário, chegou a ser conselheiro do ex-presidente Bill Clinton, mas nem por isso deixa de criticar a crescente escalada de consumo dos dias atuais, as transformações e regressões da cidadania, a perda da liberdade e da soberania e a privatização da esfera pública.

Acabou de lançar o livro "Consumido: Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos". O jornal italiano La Reppublica o entrevistou ontem, e nós publicamos um trecho da entrevista.

Que papel tem a infantilização do consumidor, ou daquilo que o senhor define como a transformação do adulto em um "adultescente"?

O capitalismo contemporâneo exalta o gastar em vez do economizar, o vender em vez do investir. A ideia de servir a sociedade é substituída pelo hedonismo, a centralidade do prazer, o servir a si mesmo. Adolescentes e crianças se tornam o arquétipo, o modelo do consumidor ideal porque são impulsivos, não refletem muito antes de comprar. Por isso, o marketing e a publicidade ampliaram as fronteiras dos consumos para faixas de idade sempre mais baixas: antes os adolescentes, agora também as crianças de três anos.

Mudou também o consumidor adulto. Temos a síndrome de Peter Pan, o mito da eterna juventude, encorajado pela publicidade e pelo entretenimento.

Sim, a bondade é associada ao fato de continuar sendo, ainda na idade adulta, consumidores-crianças, egocêntricos que dizem "eu quero" para sempre. É uma operação cultural de nivelamento para baixo. O capitalismo entra em conflito com sistemas de valores mais antigos, como as religiões, por exemplo na visão do papel parental. As religiões sempre procuraram reforçar a autoridade dos pais. Para o capitalismo contemporâneo, ao invés, os pais são os "guardiões do portão", dos obstáculos entre o adolescente e o consumo. Daqui, surge uma pressão fortíssima para abolir a disciplina parental. O capitalismo moderno é a combinação desses dois elementos: a invenção de necessidades e a infantilização da sociedade adulta.

No livro "Consumido", o senhor não para aqui. A passagem posterior é a denúncia das consequências para a democracia.

No capitalismo atual, a nossa identidade primária e que se sobrepõe é a do consumidor, não a do cidadão. O papel do Estado é diminuído, esvaziado, contestado. A própria política se torna marketing, os candidatos se veem como produtos de longo consumo. Consolida-se a ideia de que o único modo por meio do qual nós exercemos uma forma de poder é quando compramos.

Isso também é verdade na versão de esquerda, militante: muitos movimentos propõem mudar o mundo operando sobre as escolhas de consumo. O Slow Food nos ensina a promover o desenvolvimento sustentável quando fazemos as compras de alimentos. O Fair Trade nos leva a adquirir o café e o cacau por meio de uma rede de comércio justo que não passa pelas multinacionais e ajuda os agricultores dos países em desenvolvimento. Porém, o senhor responde também a isso.

Porque essa também é uma fábula para crianças, uma fábula de final feliz, a ideia de que se muda o mundo por meio do consumo privado. A escola dos nossos filhos, o equilíbrio climático do planeta, a independência energética: em todas essas esferas a mudança não pode vir simplesmente de escolhas individuais de compras. É a admissão de uma derrota se nós nos retiramos para a esfera da ação privada – seja a do consumo "verde" e terceiro-mundista – e abdicamos do nosso papel na política.

O senhor denuncia uma destruição do tecido cívico.

É justamente o resultado da centralidade do consumo. Racionalmente, como consumidor, eu vou fazer as compras no hipermercado Wal-Mart porque ali tudo custa menos e é "made in China". Fazendo isso, eu colaboro com a destruição de um tecido social do pequeno comércio, do pequeno artesanato, e transformo as cidades norte-americanas em desertos cívicos.

Pescado do portal de notícias do IHU-Unisinos. A tradução do italiano é de Moisés Sbardelotto.

3 comentários:

Nelson Antônio Fazenda disse...

O professor Barber expõe um raio X da sociedade que dizem moderna e os malefícios causados pela lógica consumista que avança mais e mais em todos os estratos sociais. Ao que parece, sem freios.
Não faltarão aqueles que, megulhados - não até o pescoço nem até o nariz mas até a testa mesmo - na ideologia neoliberal que diviniza o mercado e o consumismo, "descerão o cacete" no professor Barber e o tacharão de cafona, de démodé.

gutabap disse...

Discordo do professor Barber no quesito consumo individual, que acredito ser também uma forma política de ação. Se cada cidadão deixasse de comprar nos supermercados e se voltasse para a produção local e artesanal, a mudança seria gigantesca. Ao contrário, se o discurso político for afiado mas o consumo particular for insustentável (china, coorporações, agrotóxicos, fármacos etc), de que adianta?

Anônimo disse...

"Gutabap" parece que não entendeu o cerne do argumento de Benjamin Barber ("Racionalmente, como consumidor, eu vou fazer as compras no hipermercado Wal-Mart porque
a l i t u d o c u s t a m e n o s"). Ou então talvez disponha de dinheiro suficiente (condição
individual e privilegiada)
para escolher mercadorias independentemente do preço... Enfim, voltamos ao ponto de partida: somente as "escolhas individuais de compras" seriam suficientes? "O consumidor" decide tudo, no final das contas?

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