O cinismo das finanças
Os financistas e seus arautos voltam a atacar. Um economista do Goldman Sachs, esses dias na TV, previu para o mundo um crescimento de 4 e pouco para 2010 e de 4 e tanto para 2011.
O que em princípio para uma economia que caiu vastamente, crescer 4% não é retornar ao ponto em que estava.
Mas, aceitemos sua visão inaceitável, de que o mundo crescendo 4% cresce mais que a média dos últimos anos da pré-crise que foi de 3,5%. Ora, o que a gente viu foi, sem dúvida, um tipo cínico, arrogante, presunçoso, pronto para mentir a qualquer momento, excluindo, sem nenhum pudor, o GS de qualquer culpa.
Defendia ardorosa e de maneira cega, o bônus nas instituições financeiras, dizendo que este paga, só e justamente, o mérito dos talentos dos executivos de qualquer banco. E numa reviravolta de trapezista do mercado financeiro, culpava os políticos e o Estado pelas desgraças da vida. Principalmente pela crise (sic!).
A gente assistia assim, do outro lado da tela (ainda bem que era do outro lado), um gangster falando, um tipo que talvez ficasse bem num filme como “Onde os fracos não têm vez”. Certamente, alguém que não mereceria uma entrevista, salvo neste caso, para vermos a mentalidade do tipo predador, cuja mente e discurso se eximia de qualquer culpa, de qualquer erro. E se mostrava pronto para uma nova caça.
Pois aqui está um ponto essencial. As finanças não querem arredar nenhum pé, nenhum passo, pensam que a mundo sem eles seria muito pior. E o velho Keynes que tinha a ironia britânica falava da eutanásia do rentista... E os integrantes desta fração de classe, sem visão nenhuma de economia, a não ser do lucro imediato e do caixa do banco, do bônus e da sua conta corrente, têm, da atividade econômica, uma idéia de anti-longo prazo.
Só a valorização instantânea dos ativos financeiros, só o curtíssimo prazo, só o ato de predação é que os motiva “socialmente”. E, portanto, não sabem, nem querem, nem identificam que a economia financeira chegou a um limite intransponível. O que não quer dizer que a economia não possa dar uma crescida, que não possa dar uma levantada. Ela até pode; contudo, de modo efêmero. Já que o jeito como se comportam as finanças, não aceitando nenhuma regulação, não possibilita que possa haver um trânsito para um outro padrão de acumulação de capital.
Por quê? Porque permanecer num padrão não-regulado é simplesmente continuar dentro de um padrão que se extinguiu. O que quer dizer que não existe perspectiva de um crescimento duradouro, nem para elas nem para ninguém. Nessa direção é preciso atentar que, de um lado, as inovações financeiras neste modelo tendem a ser limitadas, por suspeita do próprio mercado.
Dito fortemente; a securitização precisa ser reformulada. E de outro lado, a crise produtiva navega num mar revolto, sobretudo as velhas indústrias, do tipo automobilístico. Fora desses aspectos, certamente o astuto economista do primeiro parágrafo, fingiu que não viu o conjunto de ativos podres que estão na contabilidade dos bancos e que vicejam no interior do sistema financeiro como bactérias ameaçadoras.
Ou seja, a recuperação, se houver, não mudando o padrão da economia vigente, será como uma festa de despedida, um canto de cisne numa noite de trevas. [...]
Trecho de artigo do economista Enéas de Souza, que continua no blog EconoBrasil, publicado hoje.
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