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terça-feira, 23 de março de 2010

O marxismo renegado


Por que o PT não foi, não é e jamais será social-democrata - parte 1 de 3

Já vimos que o marxismo foi alienado (expropriado) do seu conteúdo original, por obra do stalinismo. Agora veremos o marxismo ser renegado, por obra da social-democracia.

A denominação social democracia origina-se de organizações partidárias de meados do século 19 que propugnavam pelo socialismo. Na época, o socialismo era doutrina e política dos movimentos organizados e dos partidos que buscavam o poder pela revolução, como na Rússia, ou a maioria no parlamento como na Inglaterra e na Alemanha, ou pelo controle dos sindicatos como na Espanha e nos EUA.

A partir de 1910 o movimento social-democrata começa a dividir-se, embora estivesse organizado internacionalmente sob o nome de Segunda Internacional, pelo menos desde 1875. A Primeira Internacional perdeu o seu significado quando, por iniciativa de Marx, transferiu-se para Nova York, para evitar a acirrada luta interna promovida principalmente pelas alas anarquistas que se digladiavam mutuamente. A divisão do movimento confirma-se em tres grandes tendências: os revisionistas, aliados confessos do imperialismo alemão; a esquerda, formada por Rosa de Luxemburg, Franz Mehring, Karl Liebknecht e Anton Pannekoek; e o centro, formado por Kautski e Bernstein.

A primeira guerra mundial que inicia em 1914 vai resolver esse impasse. A esquerda é presa, a direita corre para o lado do Kaiser, e Kautski declara (sursum corda! - com o coração na boca, como se diz) o cancelamento provisório da luta social, já que, segundo ele, o Partido e a Internacional eram instrumentos essencialmente para períodos de paz, e não para tempos de guerra.

Rosa escreve da prisão, furiosa: "Esta é uma atitude de eunuco! Agora que Kautski o completou, poderá se ler no Manifesto Comunista: 'Proletários de todos os países, uni-vos em tempo de paz, matai-vos em tempo de guerra'".

Rosa irava-se não só com Kautski (foto), mas com os 110 parlamentares do partido social-democrata no Reichstag alemão, em um total de 397 cadeiras (27% de votos); que em 4 de agosto de 1914 votaram a favor dos créditos de guerra. Medida essa que liberou a possibilidade da Alemanha fazer a primeira guerra mundial. Esse fato dividiu para sempre o movimento socialista; demarcando a opção pela linha parlamentar (que Lênin debocha como social-patriotas), e a linha revolucionária.

Bernstein e Kautski seguem sendo os intelectuais orgânicos do revisionismo, nesta altura fortalecidos pela crescente adesão popular através do sufrágio, do movimento sindical e da luta parlamentar. É a gênese do moderno sistema partidário da democracia liberal, com tinturas desmaiadas de socialismo.

Bernstein, após a sua revisão do marxismo, afirma que o socialismo não encontra mais base material nas contradições do capitalismo e da luta de classe; o seu fundamento deverá ser buscado nos princípios imutáveis da moral, do direito e da justiça. Briga com a moça fogosa revolução, para casar-se com a provecta e rabugenta senhora moral. Esse conúbio insólito foi prolífico, gerou muitos filhos e netos, uma família numerosa que alcançou até os nossos dias.

Kautski prefere perder-se na tautologia a achar-se no satanizado caminho revolucionário: "o partido socialista é um partido revolucionário; ele não é um partido que faz revoluções. Sabemos que nossos fins só podem ser realizados por uma revolução, mas sabemos também que não está em nosso poder fazer a revolução, como não está em poder de nossos adversários impedí-la. Conseqüentemente, não sonhamos nunca em provocar ou preparar uma revolução".

Já em 1891, Kautski, redator do programa de Erfurt do Partido Social Democrata alemão, descobria "o socialismo como uma finalidade resultante de uma necessidade natural". Quase uma necessidade fisiológica! - diríamos nós. É a forma socialismo-como-dor-de-barriga de fazer política. Essa opção pelo reformismo que parcela das lideranças "socialistas" escolheu não se deve a diletantismos subjetivos. Tem uma objetividade bem definida apontada pelo crescimento da acumulação na base econômica da sociedade européia, do final do século 19.

É um oportunismo com bases fincadas na conjuntura econômica, seja do capital, seja do próprio movimento sindical (ainda trade-unionista). A prosperidade posterior desse modelo explica-se parcialmente pelo fantasma bolchevique que assombrava a burguesia européia, depois de 1917. A pauta das concessões burguesas certamente ficou mais pródiga face à ameaça bolchevique, especialmente, após a Segunda Guerra, com o pesadelo atômico e a Guerra Fria. A cooptação sistêmica da representação operária foi um capítulo surdo da Guerra Fria e tarefa estratégica de geopolítica da direita mundial.

A formulação social-democrata não é uma abstração de intelectuais pequeno-burgueses temerosos da revolução. Ou de meros traidores da classe operária, podem até sê-lo, mas ficar nisso é tornar opaco o entendimento que devemos ter desse processo.

Assim como o bolchevismo fez a revolução e criou uma base social para o fenômeno stalinista; também o reformismo criou a sua base social, com a colaboração de classes, sem fazer a revolução.

A colaboração de classes consistiu em trazer o operário sindicalizado à integração no sistema capitalista, ainda concorrencial. Como recompensa, foram cedidas franjas do poder de Estado à uma crescente casta burocrática social-democrata. Enquanto houve excedente econômico a ser repartido, tudo funcionou.

Continua amanhã...

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A pedido, estamos republicando esse artigo de três capítulos breves, de nossa autoria. Originalmente foi publicado em dezembro de 2007, aqui no DG. Foi escrito como contribuição a um debate-relâmpago havido no PT à época, sobre o hipotético caráter social-democrata do partido lulista. Hoje, março de 2010, pode-se afirmar, sem erro, que o PT é um partido sem nenhum caráter, uma mera legenda cartorial que opera exclusivamente por demanda eleitoral e/ou conveniências políticas de conjuntura.

Horizonte utópico? Nenhum.

O máximo de futuro que se avista das janelas petistas é o da próxima eleição. Emulando a epígrafe deste blog DG, eu diria que o PT é um partido que não tem vista para o mar do século 21.

Ouça essa maravilha de blues:

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19 comentários:

zé bronquinha disse...

Acertou na mosca Cristóvão. E o pior, nós que vivemos uma profusão de teses em cada momento importante do PT, nunca imaginaríamos o enterro de todas aquelas pela esquerda, causando uma espécie de depressão coletiva na militância socialista, menos é claro, para aqueles que trocaram seus sonhos pela realidade de um bom cargo no governo Lula.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Está na hora do PT assumir de vez o que ele, efetivamente, é: seu lado social-democrata. Se isso ocorrer e o partido deixar de vez o seu ranço estatizante, atrasado e ideológicamente retardado eu cogito um dia votar no PT.

Anônimo disse...

Cuidado, com estas críticas, daqui a pouco vão dizer que tu faz parte da PIG ou de uma coalizão/conluio demo-tucano a fim de desestabilizar a candidatura de Dilma Roussef.

Unknown disse...

uma pequena revisão: o nome correto é Rosa Luxemburgo

PT SAUDACOES

NITX disse...

Eu pedi demissão do PT logo após o escândalo do mensalão. Ainda voto em alguns petistas que sei serem dignos. Vario meus votos pela esquerda, em pessoas com princípios humanistas. Sempre desconfiei quando diziam que com o PT é mais barato. Quis ser dirigente mas a pelegada me isolou. Que fiquem com os anéis que eu vou é de mão limpa.

Anônimo disse...

a ti Carlos Eduardo, sinta-se a vontade . . . quanto a este aqui ó . . . bye bye

Vinicius disse...

Feil dixit: "Hoje, março de 2010, pode-se afirmar, sem erro, que o PT é um partido sem nenhum caráter, uma mera legenda cartorial que opera exclusivamente por demanda eleitoral e/ou conveniências políticas de conjuntura." Concordo. Será, porém, que nenhum "companheiro", iluminado e visionário, virá aqui, em nome de Dilma, contestar tamanha ousadia?

Anônimo disse...

Ótimo! Vamos ao que interessa, que não é essa conversa flácida de adormecer bovinos, logo, devo acreditar que os "baluartes da esquerda verdadeira" deverão votar em Serra para fugir de tamanha traição das raízes do PT. Ora! Vão plantar batatas e fazer política em grêmio estudantil.
Flávio Cunha

Juarez Prieb disse...

Flávio Cunha, muito boa sua resposta ao Feil. Vc disse tudo.
Parabéns. Alto nível e vasto conhecimento do marxismo e das lutas sociais do passado.
Vc deve ser um quadro e tanto!

Anônimo disse...

PT no RS, nunca mais!

Adir disse...

Pessoal, devagar com o ethanol!

Arthur Rotta disse...

Destoarei da maioria aqui.Concordo com o Flávio Cunha.

"o PT é um partido sem nenhum caráter, uma mera legenda cartorial que opera exclusivamente por demanda eleitoral e/ou conveniências políticas de conjuntura."

Sem carater é forçar a barra.

mera legenda eleitoral? Isso definitivamente não é.

A URSS quando tirou os mísseis de Cuba não atuou sob conveniencia politica e/ou conjuntura?

A revolução cubana não se deu em circuntancias/conjuntura favoráveis que a possiblitaram?

Olha não considerar a circunstância e/ou conjuntura pra se tormar decisões é no mínimo autismo...

E qual seria o problema de um partido político atuar sob demanda eleitoral? Por acaso não é este o fim de um partido em uma democracia representativa como a nossa?

giovani montagner disse...

não sou entendido do tema, preciso ler muito para me sentir a vontade para deixar uma contribuição para a discussão. comento apenas para afirmar estar mais aliviado. realmente não é sem motivo meu sentimento de vazio, de não alinhamento com esse ou aquele partido politico.
não quero afirmar que isso seja bom, pelo contrário, considero ruim. é muito bom quando nos identificamos e assumimos nosso ponto de vista.

Anônimo disse...

Juarez! Posso te garantir que tenho sim bagagem de sobra para discutir esse e outros assuntos. O que eu não tenho mais é paciência para perder tempo com conversas acadêmicas sobre o verdadeiro papel da esquerda, enquanto o alvo de tais políticas fica ao Deus dará e morrendo de fome.
Flávio Cunha

Juarez Prieb disse...

Flávio Cunha, tua garantia vale tanto quanto uma nota de 3 reais.

Tua cara de pau é admirável.

Anônimo disse...

Tá bom grande intelectual! Se tu tens necessidade de dar a última palavra e acha que sempre tem razão, eu faço a tua vontade; tu tens toda a razão e sabe tudo de tudo, parabéns!
flávio

Arthur Rotta disse...

Ah o blues é maravilhoso! esqueci de dizer hehehehe

Não conhecia esse cantor, muito bom mesmo!

Gio disse...

em síntese: o buraco é mais embaixo, e o PT parece estar amarrado e/ou não querer encontrar o final do túnel.

claudia cardoso disse...

Olha, se as coisas estivessem indo maravilhosamente no PT, o Partido não estaria desesperado atrás do PDT ou do PTB para compor uma aliança aqui no RS. O PDT do Alceu Collares e do Vieira da Cunha - este, então, até doi em fazer referência. Ou o PTB do Eliseu Santos, do Chico Fraga, do Zambiasi. Sem falar, que o possível vice será Pompeo de Mattos e sua reputação ilibada com as mulheres. Sem falar, o custo político desta coligação [se sair] para 2012: estaríamos abrindo mão de candidata ou candidato próprios, para sermos vice... do Fortunati???

Nessa perspectiva, de ter PDT ou, pior de tudo, PTB na chapa do Tarso, até dá medo votar nele! Mas a gente vota!!!

Não é porque enxergamos essas, como dizer, "coisas", que a gente deixa de votar no PT. Muito menos, é um mero voto anti-yeda ou anti-fogaça. O PT leva muito a sério suas administrações. Não tenho dúvidas quanto à sua competência administrativa, o seu respeito pela coisa pública, o estímulo à participação popular [no Governo Lula, promovida através de realizações de importantes conferências nacionais]. Enquanto a coisa for assim no PT, sigo votando no 13.

Quanto às coligações, sou favorável, óbvio. Mas é triste ver o Partido compondo com a direita no RS. O PDT saiu do Governo Olívio e ainda amargamos um Vieira da Cunha, querendo se consagrar. O PTB, então, nem é bom comentar. A conjuntura é outra, tb tenho consciência disso: em 98, existia apenas o PT. Hj, temos o PSOL. Mais, não sai nunca uma reforma política. O que implica em coligações. Mas o caráter eleitoreio do Partido faz com que ele dependa dos colégios eleitorais de partidos de direita para vencer no RS - e isto está mal!

Como é um Partido que não propõe grandes discussões, que não desenvolve teorias políticas, não tem política de comunicação [a setorial nem existe no RS], como não se queixar dele? Quem são as novas lideranças do Partido dos Trabalhadores? Quantos deputados estaduais faz em cada pleito? Vereadores na capital? Basta crescer em quantidade? Quem são seus novos filiados? Quer dizer que apontar erros, demonstrar insatisfação é sinônimo de "esquerda que irá votar no Serra, pq o PT traiu suas bases"?

Vcs podem cobrar esse tipo de comportamento de um que outro classe média midiOtizado, que votou no Olívio em 98, mas que votou no Britto anteriormente e sabe-se lá em quem mais antes disso. Mas não de uma pessoa que teve história dentro do Partido dos Trabalhadores.

Sinto-me muito à vontade em defender as ideias do Feil, pq sou eleitora do PT, não filiada. Um governo que promoveu, como nunca, a melhoria da qualidade de vida da população brasileira [para milhões, transformação mesmo] e as pessoas falarem mal do Lula em hospitais, fila de ônibus, supermercado, táxi, ônibus, salas de professores, essa "cegueira" tb é de responsabilidade do Partido que não se comunica e diz, para essa mesma população, a que veio.

Pois se tem uma coisa que as últimas eleições na capital e no RS deveria ter ensinado aos dirigentes, é que não basta fazer - pq as pessoas não se conscientizam por osmose - mas tem que dizer que faz e faz muito melhor. Afinal, aqui, se elegeram gente que mentiu descaradamente! Então, o PT precisa voltar a propor novas políticas públicas trasnformadoras, como a implementação do orçamento participativo, ou o investimento nos pólos regionais de produção [RS]. As de comunicação e às voltadas ao meio ambiente urgem!!! Uma transformação democrática nas comunicações, então, seria revolucionária! Quem sabe, uma população mais crítica, mais antenada, sentiria o faro de um político picareta à distância de km...

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