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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quarta-feira, 10 de março de 2010

Elite branca, mole como geléia e parasita


O aipim ou a raiz do movimento anticotas

No Brasil escravocrata (refiro-me, agora, aos séculos 18 e 19) a piedade, a compaixão e a comiseração do branco manifestada tão insistentemente e com tanta convicção no dia-a-dia era uma piedade seletiva e racista; excluía, de plano, o negro e os mulatos.

Rezava-se e pedia-se a intervenção divina para quase tudo, para as almas, para a família, para o sucesso de negócios e negociatas, para os bens terrenos e celestes, para as safras agrícolas, para a saúde dos brancos, para as conquistas amorosas e até sexuais – menos para o escravo.

“No século 17 e mesmo no 18 não houve senhor branco, por mais indolente, que se furtasse ao sagrado esforço de rezar ajoelhado diante dos nichos: às vezes rezas sem fim tiradas por negros e mulatos. O terço, a coroa de Cristo, as ladainhas. Saltava-se das redes para rezar nos oratórios: era uma obrigação. Andava-se de rosário na mão, bentos, relicários, patuás, Santo Antônios pendurados no pescoço; todo o material necessário às devoções e às rezas.” [...] “Dentro de casa rezava-se de manhã, à hora das refeições, ao meio-dia; e de noite, no quarto dos santos – os escravos acompanhavam os brancos no terço e na salve-rainha”. [...] “Ao jantar, diz-nos um cronista que o patriarca benzia a mesa e cada qual deitava farinha no prato em forma de cruz. Outros benziam a água ou vinho fazendo antes no ar, uma cruz com o copo. No fim davam-se graças em latim:

Per haec dona et coetera data
Sit Sancta Trinitas semper laudata”


E segue Gilberto Freyre, falando de sua gente e de sua classe, deixando-os nus até a alma.

“O açúcar não teve responsabilidade tão direta pela moleza dos homens. Teve-a, porém, e grande, como causa indireta: exigindo escravos; repelindo a policultura. Exigindo escravos para ‘mãos e pés do senhor de engenho’, como disse Antonil.”[...] “Escravos que se tornaram literalmente os pés dos senhores: andando por eles, carregando-os de rede ou palanquim. E as mãos – ou pelo menos as mãos direitas; as dos senhores se vestirem, se calçarem, se abotoarem, se limparem, se catarem, se lavarem, tirarem os bichos dos pés. De um senhor de engenho pernambucano conta a tradição que não dispensava a mão do negro nem para os detalhes mais íntimos da toalete; e de ilustre titular do Império, refere von den Steinen, que uma escrava é que lhe acendia os charutos passando-os já acesos à boca do velho. Cada branco de casa-grande ficou com duas mãos esquerdas, cada negro com duas mãos direitas”.

Como não se exercitavam, ficavam com “mãos de mulher, pés de meninos”, numa vida “ociosa, mas alagada de preocupações sexuais, a vida do senhor de engenho tornou-se uma vida de rede”, conta Freyre. “Rede parada, com senhor descansando, dormindo, cochilando. Rede andando, com o senhor em viagem ou a passeio debaixo de tapete ou cortinas. Rede rangendo, com o senhor copulando dentro dela. Da rede não precisava afastar-se o escravocrata para dar as suas ordens aos negros; mandar escrever suas cartas pelo caixeiro ou capelão; jogar gamão com algum parente ou compadre. De rede viajavam quase todos – sem ânimo para montar a cavalo: deixando-se tirar de dentro de casa como geléia por uma colher. Depois do almoço, ou do jantar, era na rede que eles faziam longamente o quilo – palitando os dentes, fumando charuto, cuspindo no chão, arrotando alto, peidando, deixando-se abanar, agradar e catar piolhos por mulequinhas, coçando os pés ou a genitália; uns coçando-se por vícios; outros por doença venérea ou da pele”, arremata o implacável Gilberto Freyre.

Lendo “Casa-grande & senzala” se entende os Ali Kamel, Demétrio Magnoli, o senador do Dem, Demóstenes Torres (foto) e demais porta-vozes do sururu anticotas.

Mais: se entende porque o neoliberalismo encontrou no Brasil uma estufa tão favorável em partidos políticos, jornais, tevês, rádios, Universidades, sindicatos patronais, e no imaginário de parcela da classe média.

Os cachorros não tem história, os homens sempre têm história, e uma razão de ser social, porque, como dizia Marx "a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular; em sua realidade, é o conjunto das relações sociais".


[Os excertos acima são de “Casa-grande & senzala”, Gilberto Freyre, 43ª. edição, Editora Record, 2001.]

Ouça aqui o ótimo The Killers, uma espécie de The Cure prorrogado para o século 21:

The Killers - Bling (Confessions Of A King)


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10 comentários:

Anônimo disse...

Até Zumbi do Palmares tinha seus escravos no quilombo no interior de Alagoas. Muitos africanos lucravam com o comércio de escravos. Isso é fato, isso é história que a "ditadura do politicamente correto" tenta desmascarar e pintar o quadro com cores que descaracterizam o verdadeiro contexto da época. Não se pode nunca analisar e julgar a história com as lentes de contato de hoje em dia. O ângulo é outro e o erro é crasso. O que efetivamente importa nessa discussão é que a malta politicamente correta, para angariar dividendos obscuros, distorce a afirmação realmente dita. Simples, altera-se a palavra "africano" e coloca-se "negro". E depois se faz um artigo para ser divulgado na mídia com o título: "DEM corresponsabiliza negros pela escravidão". Se isso não é má fé, o que é má fé?
E ninguém pode morrer de amores pelos PFL ou Demos da via, mas a verdade tem sim de ser dita. Ou não?
Seu Heródoto.

Maria Clara disse...

Heródoto, a má fé é sua. Porque vc não diz logo que é racista?

Fica dando voltas e voltas e se enrusti mais no seu racismo nojento.

Vc é racista e usa má-fé.

Anônimo disse...

O Maia ativo e operante como anônimo.

Mario Rangel disse...

Se não hovesse escravocratas, não haveriam escravos, óbvio. E com certeza, os escravos, trazidos para a Colônia, não vieram por livre e espontânea vontade, outra obviedade. Os africanos que por ventura arrebanhavam outros aficanos para servirem de escravos, o fizeram induzidos pelos lucros oferecidos pelo tráfico. Heródoto sabe muito bem que isso quer dizer. O Brasil foi um dos últimos lugares onde ofi dado um fim nas escravatura. E mais, temos aí a famigerada Lei da Terra, que excluiu os escravos libertos do acesso a terra. O Racista Heródoto também irá dizer que, se tem muito negros em posições importantes sem preciserem das cotas. Pois é, mas a exceção, que ele também sabe, somente vem a confirmar a regra de que o negro é um excluido histórico.

Mas de que nos serve criticar este tal de Heródoto, ele somente faz eco ao pensamento burguês da nossa sociedade. Concordo com a Mari Clara, este energúmeno é que usa de má fé e, é sim, um raciata.

Marcio disse...

Anônimo disse...
Que é um racista, mau caráter e um fedorento direitista. Tão covarde como a corja que ele representa, merecia a prisão seu filhote da ditadura!

Gelso Job disse...

Maia, por que tu te esconde atrás do anonimato? Seria tão mais honesto tu te identificares. Todo mundo já sabe que foi tu que comentou mesmo.

Anônimo disse...

Há de se dizer que as cotas não tem o objetivo de punir os brancos...
Para o burguês é difícil compreender a justiça social, sua "lente de contato" (usando o termo do Heródoto falastrão) só lhe permite enxergar o seu próprio umbigo!

Obrigado Feil pelos excertos. Vou utilizá-los com meus alunos de ensino médio. Em breve, quem sabe, serão melhores cidadãos e cidadãs que esses hipócritas aí!

Daniel.

Oscar T. disse...

Òtimo teexto, caiu muito bem a lembrança de G. Freyre. Espero que seja repassado à Globo. Eu repasso alguns a ZH quando trata da Yeda et caterva local.

Ismael do Nílzo. disse...

Eu prefiro o Heródoto Barbeiro.

Anônimo disse...

Certamente "Seu Heródoto" diria que na independência do Haiti os negros (africanos?)cometeram excessos contra os escravocratas... Estaria certamente descaracterizando "o verdadeiro contexto da época". É verdade, "não se pode nunca analisar e julgar a história com as lentes de contato de hoje em dia". Nem mesmo quando isso seja conveniente, certo Seu Heródoto?...

"Se isso não é má fé, o que é má fé?"

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