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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

sábado, 27 de março de 2010

Crise grega


Eurotrapalhada, bagunça nas nações ocidentais, desordem mundial?

Todos estão discutindo o que a revista Fortune chama de "turbilhão grego" e apontando o dedo para alguém. De quem é a culpa? O governo grego é acusado de fazer trapaça e de deixar os gregos viverem para além das suas posses. A União Europeia é acusada de ter criado uma estrutura impossível para o euro.

Ou a culpa é do Goldman Sachs? O banco é acusado de ter permitido que o governo grego falsificasse as contas quando procurava aderir ao sistema monetário do euro. É acusado hoje de se envolver em "credit-default swaps" que tornaram a situação do governo grego ainda mais vulnerável, mas que fizeram aumentar os lucros do banco. O chefe de estratégia de crédito do UniCredit em Munique diz que isto é como "comprar seguros da casa do vizinho - cria-se um incentivo para incendiá-la." A chanceler Angela Merkel da Alemanha considera escandalosas as ações do Goldman Sachs de 2002 e Christine Lagarde, a ministra das Finanças francesa, clama agora por uma maior regulação dos credit-default swaps.

Niall Ferguson diz que "há uma crise grega a caminho da América." Chama-lhe "uma crise fiscal do mundo ocidental". Ferguson está falando sobre os malefícios da dívida pública e do conceito de um "almoço grátis keynesiano", que no final é um "entrave ao crescimento". Paul Krugman diz que é uma "Eurotrapalhada" porque a Europa não devia ter adotado a moeda única antes de ter união política. Mas agora não se pode deixar o euro quebrar, porque desencadearia um colapso financeiro mundial.

Entretanto, parece que toda a gente está a pressionar o governo grego para reduzir o deficit orçamentário de mais de 12% do PNB para 4% em quatro anos. Consegue fazer isto? Deveria fazê-lo?

O governo grego diz que fará alguma coisa. Este "alguma coisa" foi suficiente para desencadear greves maciças de agricultores, do pessoal dos hospitais, dos controladores de tráfego aéreo, dos funcionários das alfândegas e de todos a quem estão a pedir que reduzam os rendimentos no meio de uma crise econômica e do desemprego crescente.

Deveria a Alemanha fazer alguma coisa? Os alemães não querem, por dois motivos principais. O primeiro é a perspectiva de pedidos de ajuda de outros Estados em dificuldades econômicas (Espanha, Itália, Portugal, Irlanda) pelo mesmo motivo. O segundo é a pressão interna dos seus cidadãos que vêem qualquer ajuda à Grécia como dinheiro subtraído deles, quando também estão sentindo um aperto econômico.

Por outro lado, se a Grécia (e outros países) apertam os seus cidadãos para pagar a dívida, isso significa reduzir o poder de compra para as importações - em primeiro lugar da Alemanha. E isto significa, em contrapartida, uma baixa da economia alemã. Josef Joffe, editor da Die Zeit, resmunga: "A Europa tornou-se um grande estado de bem-estar social para toda a gente, para os estados assim como para os indivíduos."

Entretanto, o euro está em queda e o dólar é mais uma vez, de momento, um "refúgio seguro". Ferguson adverte-nos que "a dívida do governo dos EUA é um refúgio seguro da mesma forma que Pearl Harbour era um refúgio seguro em 1941."

Quando um analista do Financial Times sugeriu que a Alemanha ia, afinal, resgatar a Grécia, um leitor alemão comentou: "Então, o que dizem é: dêem-lhes o nosso dinheiro para gastar na nossa loja." Mas não é isto que os chineses fazem quando compram títulos do Tesouro dos EUA?

O que estas múltiplas análises cruzadas de vantagem e desvantagem de curto prazo não entendem é que o problema é mundial e estrutural. Os bancos existem para ganhar dinheiro. Os jogos em que o Goldman Sachs esteve envolvido (assim como outros bancos) não ocorreram só na Grécia, mas em muitos, muitos países - mesmo na Alemanha, França e no Reino Unido, e até nos Estados Unidos.

Isto porque os governos querem sobreviver. Para isso, precisam gastar dinheiro suficiente para impedir um "turbilhão" e o levante civil. E se não mobilizam impostos suficientes para isso (porque não querem aumentar mais os impostos e porque uma economia mais fraca significa menos arrecadação global de impostos), precisam "massagear" as suas contas pedindo emprestado. E empréstimos disfarçados (dos bancos, por exemplo) são melhores que empréstimos abertos, porque permitem aos governos evitar críticas, até que um dia o segredo é revelado, e há uma "corrida aos bancos".

Os problemas da Grécia são realmente os problemas da Alemanha. Os problemas da Alemanha são realmente os problemas dos Estados Unidos. E os problemas dos Estados Unidos são realmente os problemas do mundo. Analisar quem fez o quê nos últimos dez anos é de longe menos útil do que discutir o que pode ser feito - se é que algo se pode fazer - nos próximos dez anos. O que está a ocorrer é um "game of chiken" [em que dois condutores aceleram um em direção ao outro e perde o primeiro a desviar-se] mundial. Todos parecem estar à espera para ver quem vacila primeiro. Alguém vai cometer um erro. Então vai acontecer aquilo que Barry Eichengreen chamou de "a mãe de todas as crises financeiras". Até a China vai ser afetada por esta.

Artigo de Immanuel Wallerstein, sociólogo estadunidense. Pescado do portal Esquerda.net

4 comentários:

Nelson Antônio Fazenda disse...

Bem, Feil. Confesso que, ao ler os primeiros parágrafos do artigo, me pareceu ser um escrito do sociólogo alemão Robert Kurz; incisivo, sem rodeios para ir ao fundo da questão.
Contudo, não foi supresa que, ao chegar ao final, tenha encontrado Immanuel Wallerstein como o responsável pelo texto. Até porque, a meu ver, ele é um dos analistas mais lúcidos da atual conjuntura, não só a estadunidense como a mundial.

Então, fica um alerta aos ingênuos e incautos; àqueles que acreditaram, de forma bastante otimista, acreditaram que a crise teria sido debelada e que, a partir de agora, seria só comemorar o bons resultados da economia.
Pelo que afirma Wallerstein, parece que, definitivamente, está todo mundo no mesmo barco e não há espaço para empurrar o ônus da crise para outrem, como comumente ocorre.

Anônimo disse...

Lula e sua incontida admiração pela ditadura...

"A usina Angra 1 será batizada quase três décadas depois de sua inauguração. Receberá o nome de Usina Presidente Ernesto Geisel. A ideia partiu de Edison Lobão em conversa com Lula e Dilma Rousseff. Lobão fez a proposta sob a justificativa de que foi pela determinação de Geisel que se ergueu a usina. Lula, que surgiu como figura nacional ao liderar uma greve justamente no governo Geisel, deu um o.k., com um “está bem, ele merece”."

Angelo Frizzo disse...

Ainda não consigo entender o porque da importância que estão dando a tal "crise" da Grécia.A economia da Grécia não faz muita diferença nem mesmo na UE, quanto mais no mundo. Qual é o PIB deles? 2% da UE? Talvez nem isso. Esses países(Grécia, Porugal, Espanha, etc) devem estar sentindo mesmo é a falta dos turistas americanos, que nos últimos anos "pararam" de viajar pelo mundo por mêdo, aliás compreensível. Eram os grandes gastadores quando passavam a férias aos milhões principalmente naqueles países. Pode não ser a única razão, mas que o antiamericanismo que se criou pelo mundo todopor razões óbvias), é uma da grandes razões da falta de turistas e, em consequência, pela falta de empregos e receitas.

Carlos Eduardo da Maia disse...

O problema da Grécia é que ela não se preparou, como deveria, para os novos tempos, não fez ajuste fiscal, praticou políticas de irresponsabilidade fiscal, gastou mais do que deveria, foi mal administrada nos últimos tempos, inclusive com a injeção de recursos da comunidade européia. A Grécia tem de fazer o que se exige de um país moderno: controle fiscal.

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