O general Joca Tavares é um dos tantos mitos do Rio Grande do Sul. Como todo o mito, resulta pois de relatos fantásticos da tradição oral, cujo objetivo é sustentar a ideologia do presente ornando-a com justificações heróicas e feitos edificantes. Especialmente por força da propaganda dos pecuaristas da fronteira oeste do estado mais meridional do Brasil. Com 75 anos de idade, o velho latifundiário de Bagé inicia a revolta armada contra Julio de Castilhos em fevereiro de 1893. O levante civil ficou conhecido como Revolução Federalista de 1893/95, a rigor, uma reação dos estancieiros da fronteira contra os ventos modernizantes do positivismo castilhista. Foi um movimento violento, de ambas as partes, seja do lado dos insurgentes federalistas, seja do lado legalista, sob o comando do presidente (governador da provîncia) Julio Prates de Castilhos. Cálculos conservadores indicam que morreu cerca de 4% da população do Rio Grande, nas escaramuças da guerra de guerrilha, como prisioneiros depois mortos pela degola, feridos que sucumbiam à infecção, ao frio e à fome, etc.
Os federalistas do regime pastoril, já naquela época, faziam autopropaganda das suas raízes farroupilhas, evocando assim um passado épico e glorioso. O chefe militar Gumercindo Saraiva, em incursão rebelde pelo Paraná, ousou blefar contra o próprio presidente da República, Floriano Peixoto. Ao pedir a renúncia de Peixoto, Saraiva (mega latifundiário no Uruguai) se intitulava como “descendente de um farroupilha”, o que constituía uma atrevida inverdade. A imprensa federalista (também conhecida como maragata ou gasparista) era forte e atuante. Em Porto Alegre, no final do século 19, circulavam diariamente cinco jornais, entre os quais o republicano-castilhista A Federação e o parlamentarista-monárquico A Reforma. Este, trazia como subtítulo no cabeçalho a inscrição em favor de uma memória farroupilha: “A lenda de ‘35”, aludindo a 1835, quando se inicia a revolta separatista farrapa no estado. O jornal O Maragato, editado em Rivera, no Uruguai, fazia propaganda e ajudava a estruturar o mito Joca Tavares, assim: “Os gaúchos reúnem-se, armam-se, rebelam-se e proclamam-no seu chefe militar. Ei-lo ali, apesar dos seus oitenta anos, ágil como um jovem domador...”.
Notem que, nesta altura, já se modificava a noção depreciativa da figura do “gaúcho” ou “gaucho”, como dizem no Prata. A expressão gaúcho fora sempre um insulto a alguém. Informava sobre andarilhos, ladrões, marginais e mestiços, sem qualquer habilitação para o trabalho e a guerra permanente dos caudilhos e montoneras. Entretanto, depois da publicação do poema campeiro “O gaúcho Martin Fierro” do autor argentino José Hernandez, as noções negativas deram lugar a um constructo positivo, épico e até heróico.
Notem que, nesta altura, já se modificava a noção depreciativa da figura do “gaúcho” ou “gaucho”, como dizem no Prata. A expressão gaúcho fora sempre um insulto a alguém. Informava sobre andarilhos, ladrões, marginais e mestiços, sem qualquer habilitação para o trabalho e a guerra permanente dos caudilhos e montoneras. Entretanto, depois da publicação do poema campeiro “O gaúcho Martin Fierro” do autor argentino José Hernandez, as noções negativas deram lugar a um constructo positivo, épico e até heróico.
O fenômeno da releitura de uma expressão antes desprezível, agora um honorável adjetivo gentílico, tem a ver com interesses ideológicos, culturais, sobretudo econômicos, e até eleitorais. A raiz dessa virada está na Argentina, onde por todo o século 19 se digladiavam os caudilhos do interior, conhecidos como Federalistas, e os urbanos e modernizantes de Buenos Aires, liderados pelo intelectual Domingo Faustino Sarmiento, conhecidos como Unitaristas. Estes denegriam aqueles com expressões de profundo desprezo físico e político, como “gauchos”. Ora, Martin Fierro acabou servindo aos propósitos de recuperação da imagem dos bravos peões de estância, agora cantados como heróis ancestrais e portadores de alma nobre e injustiçada. A resignificação – mesmo que à custa de uma disputa nacional no país vizinho – acabou chegando ao Rio Grande do Sul, por obra dos estacieiros revoltosos contra o republicano Castilhos. Com ela, a mitologia farroupilha que falava de glórias e feitos que jamais existiram. Uma das grandes empulhações era afirmar – em tom ufanista - que o general latifundiário Joca Tavares fora farroupilha em 1835. Tavares lutou sim, tanto na guerra farroupilha quanto na guerra “inglesa” contra o Paraguai, e em ambos os casos foi um rematado legalista. Em 1836, foi preso após perder um combate para as forças farroupilhas do coronel Afonso Corte Real, em Rosário do Sul.
Não é à toa que o general Joca Tavares (na foto, com ar de pasteleiro oriental) é homenageado em São Paulo, dando o nome – de nobreza - à Praça Barão de Itaqui, situada no bairro do Tatuapé, zona leste da cidade de São Paulo. Agora me perguntem: em quantos logradouros importantes de São Paulo foram dados nomes de vultos do Rio Grande? De um só, Getúlio Vargas, o maior de todos? Resposta: nenhum.
Fotografia de 1870, autor desconhecido.
14 comentários:
Muito Boa Pesquisa! Meu abraço! Lúcia Medeiros
Gosto muito qdo escreves sobre este perfil histórico.Quase sempre os utilzo como material para estudo e discussão com meus alunos. Obrigado.
Concordo que o Joca não mereça homenagem, mas na Capital paulista tem a Rua Getulio Vargas (que inicia na R. João Goulart), tem a Salgado Filho, tem a Bento Gonçalves (Agua Rasa).
Suburbio, mas tem desde tempos da Erundina!
Vide mapa deles, mapas.guiamais.com.br
No entanto,me pergunto...qual a razão da revolução??? Revolução!!!!???/
Sim, Oscar, tem as referidas ruas. Tem também a Júlio de Castilhos, mas todas ficam em lugares irrelevantes. A rua Getúlio Vargas fica junto à rodovia dos Bandeirantes, e não tem mais que três quarteirões. Em compensação tem a rodovia Castelo Branco (ditador gorila), a rodovia Fernão Dias (exterminador de índios), a estátua de Borba Gato em Sto. Amaro (um reconhecido matador de índios, o Borba, não o santo). Esse é o contraste que quero fixar.
Entendo e concordo. Ao menos não temos aqui homenagens às bandeiras ou bandeirantes como em SP, GO, PR.
Neste ponto, estamos um nivel acima.
Oscar T
Só um detalhe, o pai de Gumercindo Saraiva, Chico Saraiva, ou Saravia, como ficou conhecido no Uruguay realmente lutou na Revolução Farroupilha.
Aliás, a história oficial praticamente ignora a existência e a notável história dos Saraivas, independente do corte crítico que se possa ( e deva) fazer sobre as motivações políticas.
A história preserva e valoriza somente os comtianos e a falaciosa idéia de república que defendiam, com partido e líder único: Julio de Castilhos.
Licurgo do CeL3Uma
Licurgo, vc acaba de passar um atestado que não entende nada de:
1) Republicanismo
2) Comtismo
3) Dos Saravia
4) Da guerra farroupilha
5) Porra nenhuma
Cambará, mestre dos mestres, por favor leve-me a luz, explique-me tudo! Só não esquece de citar a bibliografia, tá querido?
Anônimo, vai estudar seu preguiçoso.
Ah tá! Agora entendi a bile toda...
Aliás, esqueci de dizer, valeu Cris, gosto muito quando tu faz postagens conjunturando o passado para entender as motivações presentes, especialmente no que tange ao tema da história do Rio Grande.
Chico Saraiva(pai de Gumercindo) lutou sim pelos farroupilhas, todavia, era apenas um pobre coitado, e sabendo disso, atravessou a fronteira e foi fazer fortuna e acumular terras no Uruguai, após o conflito, mas não quer dizer nada.
As forças farroupilhas que prenderam Joca Tavares era do General Netto, após a batalha do Seival em 1836, batalha além de representar uma grande vitória, foi o marco que declarou a província de São Pedro do Rio Grande do Sul separada do império do Brasil e surgir a República RIO GRANDENSE.
Que história incrível. Lembra muito da confederação americana. Uma versão brasileira de Robert E. Lee e uma versão brasileira dos confederados. Sul dos EUA, sul do Brasil, ambos possuem tendências separatistas até hoje. Sou de são paulo, posso dizer a revolução constitucionalista causou aqui uma pequena tandência assim também. Quanto mais ao sul você descer no mapa brasileiro, maior será o IDH, diferentemente dos EUA. Que coisa... Interessante demais. Obrigado por escrever isso. Muito rico.
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