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terça-feira, 9 de agosto de 2011

As massas do mundo todo voltam a pedir cabeças



Maria Antonieta

Em 2006, a cineasta Sofia Coppola lançou um filme sobre Maria Antonieta. Ao contar a história da rainha juvenil que vivia de festa em festa enquanto o mundo desabava em silêncio, Coppola acabou por falar de sua própria geração.

Esta mesma que cresceu nos anos 1990.

No filme, há uma cena premonitória sobre nosso destino. Após acompanharmos a jovem Maria por festas que duravam até a manhã com trilhas de Siouxsie and the Banshees, depois de vermos sua felicidade pela descoberta do "glamour" do consumo conspícuo, algo estranho ocorre.

Maria Antonieta está agora em um balcão diante de uma massa que nunca aparece, da qual apenas ouvimos os gritos confusos. Uma massa sem representação, mas que agora clama por sua cabeça.

Maria Antonieta está diante do que não deveria ter lugar no filme, ou seja, da Revolução Francesa. Essa massa sem rosto e lugar é normalmente quem faz a história. Ela não estava nas raves, não entrou em nenhuma concept store para procurar o tênis mais stylish.

Porém ela tem a força de, com seus gritos surdos, fazer todo esse mundo desabar.

Talvez valha a pena lembrar disso agora porque quem cresceu nos anos 1990 foi doutrinado para repetir compulsivamente que tal massa não existia mais, que seus gritos nunca seriam mais ouvidos, que estávamos seguros entre uma rave, uma escapada em uma concept store e um emprego de "criativo" na publicidade.

Para quem cresceu com tal ideia na cabeça, é difícil entender o que 400 mil pessoas fazem nas ruas de Santiago, o que 300 mil pessoas gritam atualmente em Tel Aviv.

Por trás de palavras de ordem como "educação pública de qualidade e gratuita", "nós queremos justiça social e um Estado-providência", "democracia real" ou o impressionante "aqui é o Egito" ouvido (vejam só) em Israel, eles dizem simplesmente: o mundo que conhecemos acabou.

Enganam-se aqueles que veem em tais palavras apenas a nostalgia de um Estado de bem-estar social que morreu exatamente na passagem dos anos 1980 para 1990.

Essas milhares de pessoas dizem algo muito mais irrepresentável, a saber, todas as respostas são de novo possíveis, nada tem a garantia de que ficará de pé, estamos dispostos a experimentar algo que ainda não tem nome.

Nessas horas, vale a lição de Maria Antonieta: aqueles que não percebem o fim de um mundo são destruídos com ele. Há momentos na história em que tudo parece acontecer de maneira muito acelerada.

Já temos sinais demais de que nosso presente caminha nessa direção. Nada pior do que continuar a agir como se nada de decisivo e novo estivesse acontecendo.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.

8 comentários:

Paulo Augusto disse...

Sobre Londres o PIG já está construindo uma versão: baderneiros, vândalos, marginais...

Carlos Eduardo da Maia disse...

Existem massas e massas, histórias e histórias, narradores e hipócritas.

Nem toda a massa tem razão, assim como nem toda a história e seus narradores (muitos dos quais são hipócritas).

Nem sempre a massa faz a história. Muitas vezes a massa faz a história - que não está determinada.

Algumas coisas são certas nesses tempos incertos.

Caetano nos ensinou que o certo é saber que o certo é o certo. Então, o certo é que Sofia Coppola é uma grande cabeça dos nossos tempos e formidável diretora. Esse filme sobre Maria Antonieta é uma obra prima. É uma autêntica revolução.

Maria Antonieta foi excelentemente retratada em duas monumentais biografias as quais recomendo: Antonia Frazer -- o filme de Coppola é roteiro adaptado dessa biografia -- e Evelyne Lever.

Que deus salve a rainha, é assim que a biografa Antonia Frazer e a 'revolucionária' diretora Sofia Coppola se comunicavam em seus e-mails sobre o filme.

Que deus salve a rainha.

Gustavo Guglielmi disse...

Paulo Augusto, o PIG da França em 1789 falava a mesma coisa sobre os que assaltaram a Bastilha.
Ninguém aprende com a História, por isso estão condenados a repetí-la, sob tragédia ou farsa.

Paulo Augusto disse...

Gustavo,
Foi exatamente nesse sentido o meu comentário.

palavrasdeumnovomundo disse...

Ótima análise analógica.
Cheguei até aqui por meio do Zé Carlos do blog Contexto Livre e gostei muito do espaço. Estou a seguir e acompanhar.
Abraços e parabéns!

Rosa Zamp

Anônimo disse...

Hoje, Maria Antonieta se chama Merval, Frias, Huck, Leitão, e outros cegos por não quererem ver.

armando do prado

Oscar T disse...

Perfeita a análise ! Dificil dizer algo melhoro sobre o momento e a analogia. Irretocável.

Anônimo disse...

Vamos decapitar o "Maia" vestido de Maria Antonieta?

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