Para além dos partidos
Costuma-se dizer que a democracia depende de partidos políticos fortes. No entanto talvez fosse mais correto dizer que ela depende da possibilidade de mobilizações populares para além dos partidos.
É importante lembrar isso em um momento histórico como o nosso, onde a força transformadora da forma-partido se esgotou.
Desde o início do ano, o mundo assistiu a uma sucessão impressionante de mobilizações populares. Tunísia, Egito, Israel, Chile, Espanha, Grécia, Síria, Bahrein, Reino Unido e, agora, os EUA - com as ocupações de Wall Street por "indignados". Raros foram os momentos históricos em que mobilizações ocorreram de forma tão global.
Olhando mais calmamente para elas, notam-se dois importantes pontos em comum: a presença maciça de jovens e uma organização feita a despeito dos partidos.
É bastante clara aqui a consciência de que a forma-partido, como a conhecemos, parece bloquear o campo do político e embotar a criatividade social exigida pelo confronto com novas situações. Os partidos não estão na vanguarda, mas a reboque dos processos.
São os jovens que, sabiamente, sentem mais claramente essa realidade. Por isso, eles não parecem dispostos a se engajar em partidos que submetem a inventividade do político ao raciocínio estratégico do dia. Na verdade, eles estão à procura de outra forma de organização política.
Muitas vezes, alternativas dessa natureza foram conjugadas no interior da lógica "mudar o mundo sem conquistar o poder". Bem, o que se pode dizer a respeito desse raciocínio é: os detentores do poder agradecem.
Ao contrário, espera-se de novas formas de organização política que elas apresentem modelos mais eficientes de governo, que elas nos ensinem, inclusive, a avaliar de outra forma ideias como "eficiência". Ou seja, não se deve temer o poder.
Há de se reconhecer a complexidade da equação: não aceitar o modelo de gestão do poder baseado na forma-partido sem cair em alguma forma de crença no espontaneísmo redentor da "vontade política".
Pensando nisso, talvez vejamos em alguns anos o aparecimento de algo como agremiações eleitorais compostas por vários pequenos grupos políticos que se unem para disputar eleições e modificar, por dentro, a lógica restrita da democracia parlamentar.
Modificação que permita a abertura da vida social para uma democracia com mais densidade de participação popular e com menos medo de uma soberania que se manifeste sem a necessidade de representações.
Certo é que, no mundo inteiro, os partidos não encantam mais.
Artigo do professor de filosofia Vladimir Safatle, da USP. Publicado hoje na Folha.
Foto: Um homem e sua filha fogem temerosos da repressão policial em frente ao Parlamento grego, em Atenas, em 25 de setembro último. Nos protestos da Grécia, assim como nos protestos da Espanha, Inglaterra, Chile, Estados Unidos, Israel, no mundo árabe, etc., a participação organizada dos partidos políticos de esquerda é quase desprezível. Kostas Tsironis/AP
3 comentários:
Feil
Averigua melhor, pois na Grécia o KKE eo PAME estão na organização dos protestos de rua.
Certo, Grisa, no Chile o velho PC também está forte no movimento. Mas, como diz o Safatle, não é vanguarda do mesmo. Assim, como o PT aqui, que está a reboque de tudo.
Abç.
CF
Menos no Brasil. Aqui o PT me encanta a alma e o cérebro.
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