Inflação de prestígio
"Enquanto eu cobrava R$ 100 por sessão, tinha poucos pacientes. Quando comecei a cobrar R$ 200, por incrível que pareça, os pacientes afloraram." Esta afirmação de um amigo psicanalista talvez valha um capítulo na teoria geral da formação de preços, ao menos no Brasil.
A mudança no preço de sua sessão não foi o resultado de alguma nova conformação das dinâmicas de oferta e de procura. Ela foi, na verdade, a descoberta de que, em países com alta concentração de renda, certas pessoas estão dispostas a pagar mais simplesmente devido à crença de que as coisas caras foram feitas para ela.
Por mais que economistas gostem de dizer o contrário, a ação econômica é baseada em sistemas de crenças e expectativas cuja racionalidade é fundada em fortes disposições psicológicas "irracionais"- pois estão ligadas a fantasias.
Atualmente, alguns dos aluguéis mais caros do mundo podem ser encontrados em cidades improváveis como, São Paulo, Moscou e Luanda (capital angolana).
A razão é que tais sociedades emergentes crescem com alta desigualdade de renda, o que faz com que uma parcela mínima da população, com poder aquisitivo exorbitante, puxe para cima a cadeia de preços. Para o resto da população, melhor seria que essa parcela simplesmente não existisse.
Qualquer pessoa que frequenta restaurantes nessas cidades percebe que a disparada de preços pouco tem a ver com a flutuação do valor dos alimentos. Nossos agricultores continuam recebendo, em larga medida, valores irrisórios. Tal disparada vem da existência de pessoas que não sentem diferença entre pagar R$ 30 ou R$ 70 por um prato. Mobilizando a crença de que as coisas caras são exclusivas, elas geram, assim, um forte problema econômico.
Há de perguntar-se por que, sendo a inflação uma questão tão premente na vida nacional, nunca encontramos reflexões sobre a relação, aparentemente tão evidente, entre pressão inflacionária e desigualdade social.
Ao contrário, vê-se apenas pessoas dispostas a falar contra os "gastos públicos", isto em um país onde, vejam só vocês, escolas e saúde pública são subfinanciadas e grandes investimentos públicos em infraestrutura são urgentes.
Talvez um dia descobriremos que a economia brasileira só estará mais bem defendida contra a inflação quando a desigualdade e o consumo conspícuos que ela gera forem realmente combatidos.
O que é melhor do que reduzir os mecanismos de controle da pressão inflacionária à definição de taxas de juros, pois a disparidade de renda, além de gerar fratura social e conflito de classe, é fator de instabilidade econômica.
Artigo do professor de filosofia Vladimir Safatle, da USP. Publicado hoje na Folha.
3 comentários:
O grande desafio do Brasil é exatamente diminuir essa vergonha que se chama "disparidade de renda" e o melhor caminho possível é implantar políticas eficientes de inclusão social. O caminho equivocado e que nunca deu certo em lugar algum é exatamente limitar as opções de consumo de quem está no topo da pirâmide, porque esses fetiches e ambições geram emprego, renda, impostos e fazem circular -- e muito -- o capital. Não vamos melhorar o Brasil fechando filais da Louis Vuitton na Oscar Freire ou na Garcia D´avila.
O discurso do Maia é tão anacrônico que nem nos USA se usa mais.
Maia vai lá em Wall street com este teu discursinho made in Miami....
O "Maia" não quer disparidade de renda e, ao mesmo tempo, quer consumo de luxo, ou seja, concentração de renda: dá pra entender?
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