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sábado, 27 de julho de 2013

Nosso formulismo político-eleitoral é baseado em um sistema-pântano


A privatização do parlamento brasileiro


O parlamento brasileiro não é republicano. Para ser republicano deveria deixar de ser privativo das classes proprietárias. 

O meio milhar de parlamentares de Brasília estão a serviço de um mosaico de interesses econômicos. Apenas menos de cem têm alguma preocupação com o chamado interesse público, fundado em matriz republicana. Esse dado indesmentível é a usina dos sucessivos escândalos que abalam o País. Acrescido do fato de o Poder Executivo ser refém desses interesses particularistas. 

Na raiz disso está um formulismo eleitoral que desmembra a maioria conquistada na votação majoritária daquela votação pulverizada obtida na escolha proporcional de deputados. 

A chamada governabilidade é fruto bichado que resulta do aliciamento de votos junto aos deputados mais sensíveis à força das prebendas e dos mimos. Tudo fica rebaixado ao nível das sarjetas. A República é apenas um nome, o que conta é a veniaga.

A agudização da crise política, para além da tarefa de separar o justo do meliante, deve apontar as saídas que superem esse quadro histórico de conseqüências degradantes.


Mais que o petismo, o lulismo, que empalmou nominalmente o poder em 2003, paga o preço por ter seguido os passos malditos da tradição brasileira. Não quis ousar fazer a reforma político-eleitoral por comodismo ou por conveniência de alguns quadros e dirigentes (e intelectuais orgânicos dessa condução deletéria) que já eram estranhos às bandeiras do partido. Preferiram a adesão incondicional ao sistema-pântano. 

Darwin ensinou que as espécies sempre procuram buscar o seu habitat de origem; podem até migrar, mas um dia voltam para casa. O modelo de alianças adotado para garantir a “governabilidade” reforça a tese de que ninguém contraria a sua natureza, a sua pulsão vital. Não há força racionalista que seja capaz de impedir o impulso primitivo de certos indivíduos.

Thomas Hobbes, no século 17, entendeu que o Estado seria essa força de coerção do “estado de natureza” de indivíduos e grupos. Mas, e quando o Estado está anômico, desprovido de instrumentos e regramentos que coibam a ação continuada dos malfeitores sociais? Ora, há que dotá-lo desses aparatos, sob pena de graves responsabilidades históricas recairem sobre os condutores do Estado, marcando-os com as tintas do esquecimento e do desprezo popular. 


A reforma política

A conjuntura crítica que vivemos hoje no Brasil aponta a necessidade de uma reforma político-eleitoral urgente. O modelo político-eleitoral-partidário brasileiro está esgotado, incapacitado para dar frutos sãos, só aberrações e deformidades. A forte influência do poder econômico corrompe as regras do jogo, onde a democracia formal transfigurada é uma caricatura de si própria. A representação pública deixa de ser popular e pública para ser a representação de setores e lobbies de interesses econômico-financeiros, num processo de crescente privatização de blocos inteiros do parlamento brasileiro.
No quadro atual, o presidente da República, embora tenha logrado conseguir cerca de 62% dos votos dos eleitores e, portanto, reunindo numericamente soberania e legitimidade suficiente para desenvolver e implementar seu projeto político, na prática está refém daqueles parlamentares privatizados. 


Como superar isso? Com uma reforma política, com as seguintes modificações:

Voto em lista pré-ordenada

Partidos ou federações de partidos apresentam uma lista de candidatos, do presidente da República a senadores e deputados. A lista mais votada elege o presidente e tantas cadeiras no parlamento quanto for o percentual alcançado nas urnas. Se esse sistema eleitoral estivesse vigorando em 2002, o candidato Lula, que então alcançou 62% das preferencias de voto, teria no Congresso 62% de deputados e senadores relativamente ao total de vagas existentes. Estaria, portanto, em tese, assegurado ao Executivo os votos necessários à aprovação democrática dos seus projetos de governo. A lista de candidatos proporcionais seria pré-ordenada, conforme disputa democrática interna nas convenções partidárias, e os critérios de preenchimento dos lugares na lista seria de livre deliberação do partido e seus militantes, ou da federação partidária do qual ele faça parte. 


Financiamento público de campanhas

Financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais. Estima-se o valor de sete reais por eleitor o custo para o orçamento público de campanhas eleitorais, num total de 900 milhões para um pleito nacional como o do ano de 2002. A estimativa do custo total da campanha de 2002, somando os gastos de todos os partidos em todos os Estados da Federação, foi ao redor de 9 bilhões de reais. Nessas alturas astronômicos voam somente os pássaros agourentos da corrupção e da privatização de mandatos parlamentares. 


Auditoria de campanhas

Auditoria pública durante a campanha eleitoral para verificação de balanço e caixa dos partidos. As campanhas seriam auditadas pela Justiça Eleitoral (e outras instituições públicas de apoio) 90 dias antes do pleito, 60 dias antes do pleito, e 30 dias antes do dia da votação geral. As prestações de contas depois do pleito seriam feitas até o trigésimo dia do mesmo, com auditagem geral de todo o processo eleitoral e divulgação na internet dos resultados parciais e totais.


Outras medidas podem ser acrescentadas a esse alinhavo mínimo. Lula, no seu discurso de posse, em janeiro de 2003, falou sobre a necessidade de uma reforma político-eleitoral. Não moveu uma palha para fazê-la, sucumbiu aos desígnios dos acontecimentos que estão lhe abreviando a passagem pela vida pública. 


Com ou sem Lula, o Brasil precisa de uma República suficientemente forte para resistir aos ataques de bárbaros e malfeitores. Em Brasília, os primeiros aromas de orégano já prenunciam um grande acordo para acomodar parlamentares faltosos de todos os grandes partidos. Poucos são os apontados e muitos serão os impunes. E somente uma autêntica reforma político-eleitoral pode apontar para horizontes menos sombrios. 

Artigo de Cristóvão Feil, publicado originalmente no portal Carta Maior, no dia 29 de agosto de 2005. Como se pode ver, continua muito atual, depois de quase oito anos.  

7 comentários:

Ed.Londero disse...

Se esse sistema estivesse em funcionamento Lula teria sido eleito com 35% dos votos (1º turno) e teria 35% dos parlamentares.
Não vejo muita esperança dessa proposta nos livrar do pântano que ainda teria 65% das cadeiras do parlamento.

FernandoH disse...

Muito bom. So' no final se descobre que o texto e' de 2005, tao apropriado que e' ao momento atual.

Irton Fel disse...

Embora a grande mídia golpista tente nos impingir a ídeia de que a corrupção no Brasil surgiu a partir de 2003, aqueles que são bem informados (e, principalmente, bem intencionados) sabem que a História é outra.
A corrupção no Brasil vem de longe, atingiu níveis significativos com JK e a construção de Brasília, e extrapolou todos os limites durante a ditadura civil-militar. O clímax aconteceu na era FHC-PSDB-PFL( alíás, o caso Alstrom continua assombrando o Palácio Bandeirantes).
Mas, foi nos 20 anos de ditadura civil-militar que o nosso Congresso apodreceu de vez. Para manter aquela democracia de mentirinha os militares acostumaram nossos deputados e senadores com polpudos salários e jetons, benesses e verbas disso e daquilo. Os militares voltaram para os quartéis, nossa democracia renasceu, mas o Congresso viciado durante 20 anos permaneceu e continua aí até hoje, cada vez pior.

Anônimo disse...

Diretas Já!
ou ainda.

Anônimo disse...

Especialmente para Irton Fei: mas, ninguém diz isso para os jovens de menos de 40 anos, enquanto a velha media os bombardeia diariamente com outras versões -- assim como nas instituições que não mudaram tanto, como no judiciário e nos governos estaduais e em grande parte dos munícipios e especialmente na área de segurança que permanece como na época. Não se mexeu em nada, e não há uma disputa pelos corações e mentes. Só aqui nos novos paraisos artificiais da política. Quantos vc crê que estão lendo essas mensagens postadas aqui (além dos espias,é claro...rs)?

Anônimo disse...

Por favor, se vcs tiverem mais instrumentos que eu, avisem cartacapital que está sendo impossível acessar o site deles. Obrigado.

Chaplin disse...

O divisor de águas chama-se auditoria pública. E deveria começar pelos meandros do poder, com os pagamentos do chamado sistema da dívida, pela própria diplomacia que representa um verdadeiro antro de corrupção entre os interesses públicos nacionais e interesses privados internacionais, leia-se organizações sionistas.

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