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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A “política industrial” do governo Dilma é uma esquizofrenia só



Desconfiança empresarial

São abundantes os indícios de timidez em ampliações de capacidade produtiva, ou seja, timidez na elevação do investimento privado no Brasil. Contrasta, silenciosamente com a retórica barulhenta que repete, a cada indício desfavorável, a afirmação de que "o pior já passou" e de que estamos em rota batida para a "retomada do dinamismo". O ministro Mantega, em 31 de agosto, disse que "passamos a pior fase" e afirmou que "existe uma recuperação modesta, no momento". Os empresários, em sinal de respeito e de prudência vernacular, dizem vagamente que, talvez, haja uma recuperação de investimento em 2013, se houver melhoria nas vendas de eletrodomésticos no último trimestre de 2012. As empresas, em vez de apresentarem suas dúvidas, preferem afirmar que estão na "expectativa de maturação" das medidas do governo. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (Abit), Agnaldo Diniz, lembra que "o espírito animal do empresário também é racional. Ele só investe quando vê segurança no médio e longo prazos".
Hoje, há consenso de que a crise mundial está solidamente enraizada e com indícios de progressão. O interior da França apresenta um cenário pior que o da Espanha. Os EUA exportam uma imensa sensação de "não sabemos para onde vamos". A China começa a apresentar alguns sinais de dificuldade. No Brasil, o "PIBinho" apresentou o pior resultado desde o primeiro trimestre de 2009 e a indústria é o sistema de retrocesso que freia a economia. Setores como o de veículos, têxtil, eletrônicos e farmacêuticos acumulam estoques e não conseguem exportar diante da crise, e sofrem uma concorrência externa cada vez mais pesada.
Ao longo da última década de mediocridade, o segmento dinâmico foi o agropecuário e a reiteração das medidas de apoio ao consumo privado está produzindo uma resposta descendente das famílias, que ampliaram seu consumo apenas 0,6% no último trimestre, em comparação com o anterior. A resposta mais cautelosa das famílias aos incentivos ao consumo deve estar sendo reforçada pela alta nos preços dos alimentos, pela queda brutal do preço dos automóveis usados que, no passado, era de 10% e que hoje já supera 25% - provavelmente, a dívida do comprador do veículo está maior que o valor de seu carro usado, se fosse vendê-lo hoje.
Em vez de dizerem suas dúvidas, as empresas afirmam que aguardam as medidas do governo maturarem
Creio que a fobia pelo investimento produtivo merece tentativas de interpretação. Seria útil, olhando o sistema industrial brasileiro, procurar razões comportamentais diferenciadas nas grandes empresas, segundo a natureza de seu controle. Filiais das grandes multinacionais fazem parte expressiva ou são dominantes em diversos segmentos e, desde logo, é necessário dizer que estão prontas para adquirir empresas nacionais que disponham de frações relativas do mercado-alvo de sua atuação. Ocorre que, em muitos setores, esse "personagem" é inexistente: não há nenhum montador de veículos automotores nacional e raros são os empresários brasileiros no segmento de autopeças. O Globo de 29/8 apresentou dados estarrecedores: a margem de lucro do montador de veículos nos EUA é de 3%, no mundo como um todo é de 5% e no Brasil é de 10%. A carga tributária brasileira é de 25,6%, na Argentina, 21%, na França, 19,6%. O Honda Fit básico custa, no Brasil, mais que o dobro do que custa na França: o brasileiro paga R$ 57.480,00 e o francês paga o equivalente a R$ 27.898,00. Apesar de mais de 50 anos de instalação, a indústria automobilística brasileira não produziu modelos adaptados ao nosso clima e às nossas vicissitudes logísticas. É altamente duvidosa sua cooperação ao balanço de divisas. Na verdade, entre compra e venda de veículos, autopeças e remessas de juros, lucros e royalties, há déficit cambial no segmento.
Existem filiais estrangeiras praticamente monopolistas, com mais de 100 anos de instalação no Brasil, nos segmentos de alimentos processados, material de limpeza e higiene e produtos farmacêuticos, entre outros, cujos produtos fabricados no Brasil tem desempenho muito inferior aos mesmos produtos da marca de sua filial em um país europeu. Nosso Ministério de Ciência e Tecnologia deveria estudar o mistério da quase nula motivação na pesquisa de novos materiais nacionais e da sistemática baixa qualidade na análise comparativa intra-multinacional. O Brasil - país de periferia que aceitou a instalação em massa de filiais de toda a procedência, que operou uma privatização perigosa associada à desnacionalização, que agora assiste a desnacionalização em massa das cadeias de supermercados, das editoras de livros estudantis e das universidades privadas - em nada afeta a confiança e o papel que as diretorias das filiais no Brasil obedecem às orientações de suas matrizes. Esta é uma boa explicação para a desconfiança desse poderosíssimo grupo de empresas.
Nos poucos casos onde se consolidou um oligopólio nacional, vemos uma réplica tupiniquim: preferem adquirir filiais no exterior do que ampliar capacidade produtiva interna. [Nota do Blogueiro: vide o caso do grupo Gerdau, que prefere adquirir plantas siderúrgicas no exterior a investir no RS, que importa aços planos.] 
O surpreendente é a utilização, pelo governo, dos instrumentos de política econômica para que empresas nacionais ampliassem e se consolidassem no mercados interno nacional e estão sendo utilizados pelas filiais e pelas empresas nacionais que compraram plantas no exterior. De cerveja, passando por proteína vermelha, caminhando para ao aço redondo, mineração e até mesmo a nossa Petrobras comprando refinarias no exterior com a dramática tendência a uma explosão de importações de derivados de petróleo devido à política de atraso na instalação de refinarias. E, agora, para aumentar a desconfiança, a poderosa estatal coloca em dúvida a economia de petróleo, que consistia na peça principal de um projeto de longo prazo para o Brasil.
Artigo de Carlos Lessa, professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, no governo Lula. O artigo foi publicado hoje no jornal Valor Econômico.

4 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

"É o custo Brasil, estúpido! "

Enquanto o Brasil não racionalizar essa bagunça tributária e flexibilizar normas da era Vargas continuaremos a engatinhar.

Não sou liberal, mas concordo com "Bob Fields": “Com o atraso das reformas estruturais e das privatizações, o Brasil está longe de realizar seu potencial. Poderia tornar-se um tigre e se comporta como uma anta.”

Nelson disse...

Está informado ali, límpido e claro, no texto do Lessa, que "a margem de lucro do montador de veículos nos EUA é de 3%, no mundo como um todo é de 5% e no Brasil é de 10%" e o Maia vem com a já surrada história do "custo Brasil".
Fosse esse tal custo Brasil um problema verdadeiro, e os números apresentados acima apareceriam, no mínimo, em ordem inversa à que foi exposta.

giovani montagner disse...

é o lucro brasil, estupido!

Anônimo disse...

O "Maia" gosta de fazer papel de bobo mesmo...

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