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terça-feira, 19 de março de 2013

Populismo ou quando os processos históricos têm nome e sobrenome



Populista

A morte de Hugo Chávez serviu, entre outras coisas, para mostrar quão maleável é o uso do conceito de "populismo" entre nós.

Normalmente utilizado como uma injúria, "populismo" deve ser inicialmente visto como a expressão do medo de alguns quando veem mobilizações populares nas ruas. Só assim pode-se explicar como vários de nossos livros de história descrevem o período entre 1945 e 1964, o primeiro momento de forte densidade popular na política brasileira, erroneamente como "República populista".

Fala-se muito da fragilidade institucional e da forte presença de lideranças carismáticas como características diferenciais do populismo.

No entanto nenhum desses dois pontos devem ser vistos como excludentes em relação a um conceito substancial de democracia.

Primeiro, porque a democracia tem uma fragilidade institucional constitutiva, já que ela não ignora a plasticidade das formas e processos de governo. Acorrentar o futuro por meio de arranjos institucionais criados para referir-se a situações passadas, acostumando a sociedade a instituições e dinâmicas que funcionam mal, não tem relação alguma com a realização de uma sociedade democrática.

Segundo, uma questão importante a ser levantada, mas, entretanto, muito pouco pensada, consiste em perguntar pelo lugar da liderança no interior de uma sociedade democrática. 

Talvez estejamos muito marcados por um certo weberianismo que vê o carisma como a explosão do irracional no interior da política, sendo que ele é, muitas vezes, a condição para que identificações e investimentos libidinais se realizem.

A personalização de um processo histórico não é algo necessariamente ruim, como já dizia Hegel. Ao contrário, muitas vezes ela é a astúcia necessária para que tais processos ganhem força. Vários movimentos de transformação perdem força por não terem lideranças capazes de fornecer a imagem que leva a sociedade a atravessar seus medos. Ou seja, a democracia e sua inventividade política não exclui a função da liderança.

Mas a crítica do uso do conceito de populismo não implica, necessariamente, recusar toda sua força crítica. Há um uso restrito do conceito que talvez deva ser conservado, por retratar um risco de bloqueio em processos de transformação social. Ele se refere aos arranjos nos quais o poder converge para o fortalecimento de um polo altamente centralizado e personalizado, normalmente o Poder Executivo.

Quando isso ocorre, como foi o caso na Venezuela, a transferência do poder em direção a instâncias autônomas de democracia direta não se completa. No entanto nem nas democracias que conhecemos isso ainda ocorre.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sugiro um contraponto e um complemento ao texto de Safatle: http://www.ocafezinho.com/2013/03/06/chavez-intelectualismo-vendido-e-falsos-dogmas-democraticos/

Marcelo S. disse...

sempre achei o populismo uma palavra sem sentido. E quando ouco que o bolsa-família é populismo, pergunto de volta, afinal o que é populismo, nunca ouvindo respostas convincentes. A própria nocao de populismo pressupoe que o líder comanda o povo, e nao o contrário. É uma nocao elitista, que enxerga o povo como massa-de-manobra. E mesmo admitindo que o populismo exista e que seja incompatível com a democracia, ainda assim o povo feito massa-de-manobra (olha onde chegamos...) nao chega a contrabalancear o efeito das lobbys empresariais, esses sim que dominam a política.

Nelson disse...

Em visita ao blog e-proverbios.blogspot.com.br, há pouco, encontrei a seguinte frase, atribuída a São Jerônimo:

"O adultério certamente não pode ser cometido sem a participação de duas pessoas."

Neste sentido, a corrupção é como o adultério.

Nelson disse...

Meu caro Marcelo S, você tem razão. O efeito altamente deletério dos lobbys empresariais - e esse efeito não se restringe ao Brasil, é bom que se diga - é o principal fator a degenerar a democracia tal qual a temos hoje.
Porém, na propaganda, o empresariado é sempre apresentado como o bastião da moralidade e das boas práticas administrativas, em contraponto à podridão que reinaria em todo o meio público.

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