O desejo de Zero Hora

As palavras - já foi dito por muita gente - cada vez valem menos. O significado de vocábulos e conceitos são modificados conforme o arbítrio de cada um, ação essa estimulada por uma mídia de ninharias e de frivolidades. Ninguém pensa. A linguagem cotidiana se confirma a cada hora como uma tagarelice infinita, onde imperam os cacoetes de expressão: "com certeza", "por conta de", "muito diferenciado", etc.

Pois agora, o jornal Zero Hora quer saber "os desejos dos eleitores", como se isso fosse possível num estalar de dedos, e mesmo que saibam, decidam-se, os eleitores, a informá-los candidamente ao jornal da Azenha. Que pretensão, essa da RBS! Desta vez, bateram no limite do desejo de serem frívolos.

O desejo, essa moção psíquica, como diria Freud, é uma categoria complexa, muito complexa, que vem sendo discutida desde sempre. As religiões prometem a satisfação de todos os desejos, de forma completa e pela eternidade, numa outra existência não-terrenal. Esse impulso "imparável", como dizia Hegel, já foi objeto de especulações filosóficas desde Santo Agostinho, passando por Leibniz e Espinosa, para reiniciar com força em Freud, em Jacques Lacan, seu epígono, que fez voltar a Hegel, num circuito virtuoso e interminável - imparável - de aportes e insuficiências, como o próprio desejo requer.

Agora, ZH quer saber os desejos dos eleitores. Fácil, não? Talvez o que a RBS queira conhecer não é o desejo psíquico que borbulha inquieto no fundo d'alma do ser, mas o desejo superficial e pedestre dos seus crédulos e ingênuos leitores, a saber: o nome de quem você vai votar em 3 de outubro.

Cuidado, seu voto secreto, pode vazar no jornal. Olho!